Alguém esta tarde, em Lisboa, se escondia, assim, do frio e da vida...


Reflexos no rio Côa... (Sabugal visto por mim neste último Natal)








Poemas (ridículos) de amor quem um dia os não fez... (IV)


Não remes, amor, não remes
Não vale a pena remar

Ao sabor indecifrável da corrente
Aos humores e amores do vento
À mansidão da água transparente,

Solta, solta a tua barca (bela)

Que a água dos rios
Corre inevitavelmente para o mar

Canções (3)
Foi em busca desse tempo que ontem fui, quando, ao final da noite, pus a girar temas de Aznavour. Et Pourtant, Il Fault Savoir, La Boémme...

... e, sentei-me de novo ao lado do meu caro e querido amigo Henrique, ao ar livre, no mais majestoso cine esplanada do planeta (asseguro-vos) – o Kalunga – com o cheiro a maresia que soprava, suave e quente, do lado da Praia Morena.




O ano era 1964, em tempo de férias grandes, e o filme tinha como "artista principal" o Aznavour e nele participavam também a Silvie Vartan e o Jonny Holliday e chamava-se "À procura do Ídolo" (Cherchez L'Idole).



Foto tirada e acabada de enviar pelo Henrique. Obrigado, meu caro.

O que fazem as canções, as grandes canções...

Canções (2)

Nostalgia é colocarmos um disco a girar, com aquele melancólico propósito de revermos e cheiramos as paisagens, as paredes, os caminhos e picadas daquele tempo.
Canções (1)
As canções agarram-se definitivamente ao tempo em que são vividas e às paredes e paisagens desse tempo.
Leia e, se estiver de acordo, assine:

Petição contra a implementação da TLEBS

Há dias Pedro Mexia ridicularizava assim a tlebs!
Poemas (rídiculos) de amor quem um dia os não fez... (III)

Ah! Se pudesse agora dar-te um beijo…
Não era um beijo que te dava!

Era um beijo…

Um beijo elevado a ene !
Imperdível

a exposição "Diálogos de Vanguarda" de Amadeo de Souza-Cardoso na Gulbenkian, encimada por este pensamento dele próprio:

"Ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa por falta de técnica, mais por falta de outra coisa que se chama temperamento"

retirado de uma carta (vale a pena lê-la) que escreveu ao seu tio Francisco.

Sou leigo em matéria de pintura. Mas, para mim, nesta arte, ao contrário do que se passa com a gastronomia..., embora aqui também tenham papel decisivo, são fundamentalmente os olhos que comem. Há quadros (de todas as correntes estéticas) que os meus olhos gostam e neles ficam pregados sem eu saber explicar porquê e há outros que os meus olhos se desviam até com algum desdém sem eu, igualmente, saber explicar porquê. Também não me preocupo em procurar razões, nomeadamente no segundo caso.
Já conhecia alguns quadros que pertencem ao CAM da Gulbenkian: a Procissão Corpus Christi (é um dos meus preferidos), os Barcos e a Cozinha da Casa de Manhufe (que pertence à minha colecção particular... virtual) entre outros.


A Cozinha de Manhufe



É espantoso. As primeiras pinturas de Amadeo datam de 1908 - antes ficara-se pelo desenho e caricatura - e morre em 1918, sem completar os 31 anos. E em dez anos, navegando por diversas estéticas, produziu uma intensa e vastíssima obra. Bem se podia acrescentar ao seu pensamento que também não é por falta de tempo que ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa... Mas também se pode perguntar (exclamando) que dimensão teria atingido a sua obra se por ventura tivesse vivido mais tempo.

Pedaços de poesia (I)

Meu Deus, meu Deus, que não acabem nunca
a areia e o mar,
o murmurar das águas,
os relâmpagos dos céus,
as orações dos homens.





Hannah Szenes
(1921-1944)
Old Tradford: Manchester 3 - Benfica 1
... Qualquer das formas uma coisa é perder 3-1 em Old Tradford com o Manchester outra é perder 3-1, em Alvalade, com o Spar... Spar... quê?
Sporting 1 - Spartakus 3
Os lagartos assustaram-se com as camisolas vermelhas... mas tive pena que não empatassem a partida! Tenho uma regra que não violo: contra estrangeiros torço sempre, sempre, pelos portugueses...
Como todas as regras, esta tem também uma excepção: aquele clube (galego) que equipa de azul e branco.
Ainda o referendo:

Vou votar sim. Mas há argumentos e questões que o não levanta a que sou sensível e me fazem reflectir:

"Dei por mim a pensar na ironia de tudo isto... O mesmo tipo de lógica que serve para condenar o abandono de animais (não são humanos mas têm vida, logo têm direitos), serve para defender o aborto de seres humanos (têm vida mas não são pessoas, logo não têm direitos). Porquê? Terá uma vida não humana mais direito a ser acolhida do que uma vida humana que não é ainda uma pessoa, seja lá o que isso for? A campanha dos bichanos acabou por me meter medo. Medo de uma sociedade onde a vida de um cão vale mais do que a de um homem." Pedro Picoito, blogue do Não
Eu enunciaria a tese desta outra maneira: Se se condena o abandono dos animais porque não sendo estes pessoas, possuem, porém, vida e, como tal, têm direito a ter direitos, entre os quais o direito à vida... Ora sendo os embriões humanos vida (o que, parece, ninguém põe em causa) deveriam usufruir dos mesmos direitos!
No plano filosófico e moral não encontro nenhuma, nenhuma justificação para o sim. Só que a realidade, por vezes, conflitua com a filosofia e os seus "argumentos" pesam mais. É o princípio do mal menor. É neste ponto que radica o meu sim.
Subscrevo:

"Sentimentos misturados" J. Pacheco Pereira in Abrupto (1.12.06)

"Claro que ninguém vai ao teatro, claro que acabaram os cafés (pelo menos em Lisboa), claro que se desertificaram os bairros, claro que acabou a Lisboa dos anos 60, tão íntima como provinciana, onde éramos os absolutos cosmopolitas, exactamente porque os filhos dos deserdados das cheias, os filhos dos operários do Barreiro, os filhos das criadas de servir, os filhos dos emigrantes de Champigny, os filhos da "canalha" anarco-sindicalista e faquista de Alcântara mandam no consumo e o mundo que eles querem é muito diferente. Eles entraram pelos cafés dentro e transformaram-nos em snackbars e em lanchonetes, entraram pelas televisões e querem os reality shows, entraram pela "cultura" e pela política e não querem o que nós queremos, ou melhor, o que nós queríamos por eles. O acesso das "massas" ao consumo material e "espiritual" faz o mundo de hoje, aquele que é dominado pela publicidade, pelo marketing, pelas audiências, pelas sondagens. É um mundo infinitamente mais democrático, mas menos "cultural" no sentido antigo, quando a elite, que éramos nós, decidia em questões de bom senso e bom gosto. E agora? Queríamos que "eles" tivessem voz e agora que a têm não gostamos de os ouvir quando o enriquecimento revelado por todos os indicadores económicos e sociais dos últimos 30 anos transformou muitos pobres na actual classe média, "baixa" como se diz na publicidade, nos grupos B e C das audiências. Nós queríamos que eles desejassem Shakespeare e eles querem a Floribella, os Morangos e o Paulo Coelho. E depois? Ou ficamos revoltados ou pedagogos tristes e ineficazes, ou uma mistura das duas coisas. Nós ajudámos a fazer este mundo de mais liberdade e mais democracia, que o é de facto. O 25 de Abril foi o que foi porque a geração de 60 o fez assim. Se os militares tivessem derrubado Salazar nos anos 40 ou Delgado o tivesse feito em 1958, o país seria certamente muito diferente."
Sporting 0 - Benfica 2!

O que mais gozo me deu é que ainda estavam a ajeitarem-se nas cadeiras e nos sofás.. com ar aquele ar tranquilo de quem já tinha as favas contadas e... já estavam com uma na pá! Depois levaram mais outra e... a barra salvou-os de uma terceira na . À Benfica!
Poemas (ridiculos) de amor, quem um dia os não fez... (II)

Quem dera
Nas tuas mãos, entre os dedos,
Pousar os meus segredos

Quem dera
No teu leito, nos teus seios
(despidos)
Adormecer os meus receios

Quem dera
Nos teus olhos
(verdes olhos)
Cabelos castanhos aos folhos
Alagar a minha melancolia
Em ondas soltas de maresia

Quem dera
Na tua pele
(vestida de mel)
Adoçar os amargos da minha boca
Que é tão leda
Que é tão louca

Quem dera, meu amor, quem dera
A PRIMEIRA NOITE... OU COMO SE NÃO PERDE A VIRGINDADE DE UMA SÓ VEZ
(Estória já contada e que me limitei, agora, a ilustrá-la)



Insinuando o pequeno e leve gesto de os beijar, cruzo os dedos indicadores, e, solenemente, como nos tempos de puto, juro. Juro com Deus: Esta que vou contar não se passou comigo. Juro! Juro com Deus! Com a mesma solenidade, asseguro-vos não desvendar quem foi o herói desta história. Melhor: Juro! Juro mesmo! Com Deus!

Direi apenas que era, na época, um rapaz acanhado, de poucas falas. O rubor traía-o com alguma frequência. Hoje, homem maduro, não perdeu ainda a timidez. Essas coisas, aliás, nunca se perdem totalmente. Mas soube sempre domá-la.

Não me lembro ao certo que ano corria por aquela altura. Certo, certo, é que o terrorismo já tinha rebentado. O boato que dava como iminente a entrada dos turras por ali adentro e que ficou célebre, se a memória me não prega das suas, ocorrera já há dois ou três anos. Tanto que a antiga Escola Primária já se tinha transformado no quartel que veio acolher o Destacamento Militar. A 4ª Classe estava, pois, acabada – já tinha feito provas que sabia de cor e salteado os afluentes do Rio Douro e do Tejo e que conhecia, um a um, os apeadeiros da Linha da Beira Alta e da Beira Baixa! O nosso herói também. Andávamos ambos pelos 12 ou 13 anos. Não mais ou pouco mais. Já tinhamos dado os primeiros passos no Francês e aprendido, para o resto da vida, que há sempre excepções que se esgueiram à regra (todas as palavras terminadas em age, com excepção de... e seguia-se a lenga-lenga).

Os tropas do dito aquartelamento lá andavam. Com pouco que fazer. A actividade resumia-se ao render da sentinela, ao hastear da bandeira e a uma ou outra parada em dias de cerimónia oficial (que terminavam, invariavelmente, com vivas inflamados ao aborígene de Santa Comba e a bem da Nação! Claro!). A guerra passava-lhes ao lado. A nós também. Afinal os turras andavam longe, pelo Norte da Província. A frente Leste não tinha, ainda, sido aberta. Fustigavam a Pedra Verde. Nambuamgongo. Nóqui.





Nomes que os anos quentes da guerra mitificaram e que inspiravam respeito. Muito respeito e à volta dos quais se fazia um silêncio que amedrontava quando eram pronunciados. Pela Rádio pouco se sabia e no Jornal nada se lia. Quando – de quando em quando – nos chegavam os ecos dos combates, através de relatos que em surdina passavam de boca em boca, sentíamos o medo que seria cair numa emboscada no seio daquele mato imenso, colossal e escuro. Quase nos parecia ouvir o barulho do capim e o tilintar das catanas inimigas e baionetas que, no início da guerra, adornavam as Mausers dos (nossos) combatentes. Eram aqueles nomes que, afinal, nos lembravam que vivíamos uma guerra que parecia, pacientemente, sem pressas, esperar por cada um de nós. A nossa vez haveria de chegar! Era, talvez, a única certeza!

Enquanto tardava essa hora que julgávamos fatal, a Rua era a nossa (na)morada dilecta e o Sol um companheiro que nunca nos abandonava. Mesmo quando o dia já cansado, inevitavelmente, se vestia de negro, adormecíamos com a certeza que logo pela manhã, ao romper do dia, lá estaria de novo aquele companheiro quente e luminoso a acordar-nos pelas frestas da janela.

Fora de casa é que estávamos bem. Jogávamos à bola no Parque da Vila – palco de tantas aprendizagens – com pontapés que levavam muitas vezes, para nosso desalento, a borrachinha em voo sem regresso sobre o muro e as mangueiras do quintal do velhote Lemos. Trepávamos as buganvílias e as árvores que serpenteavam a Rua de Trás, onde as (mães) pretas montavam banca e vendiam os inigualáveis doces de jinguba. Rodávamos filmes de Cowboys e Indíos, dirigidos com mestria e imaginação pelo Zé Lemos (qual Spielberg!). Fugíamos para o Rio e para a Lagoa do John. Construíamos e afundávamos jangadas de bananeiras.



Uns com fisgas e os mais afortunados com pressões d’ar, íamos, em chusma, à caça das rolas e dos siripipis para os lados do Forno da Cal e da Cerâmica. Pelo caminho ruminávamos (como gostava de dizer a Cecília) chuíngamos adquiridos na loja do velho Falcão ou, em tempos ainda mais idos, no bar do velho Fraga. Intercala(pá)vamos um p no me(p)eio de cada pa(pa)lavra qua(pa)ndo não quer(ep)íamos se(pe)r entendi(pi)dos.

Subíamos aos Filtros da Água e na volta jogávamos matraquilhos no Chipútia (Matraquilhos! O único desporto em que atingi alguma notoriedade! Bola nos três era golo pela certa!)

Coleccionámos cromos que comprávamos na Loja do Ambrósio e gozávamos com as encantadoras (!) e inefáveis sobrinhas.

Nos intervalos das nossas aventuras, quando estávamos já a tinir e a guita não chegava para um Nilos ou um Delta, fumávamos com a mesma avidez um chiquinho ou mesmo uma biúla esquecida num cinzeiro qualquer e combinávamos novas fugas, novas aventuras. E quando, de quando em quando, nada havia para fazer, provocávamos com alguma crueldade os boleiros e sorveteiros que a mãe dos “Penas” tinha ao seu serviço – vítimas, às vezes, do nosso ócio.

Soltos e cheios de fúria dançávamos o Twist e com muito farfalho e doçura, os tangos a média luz e os números musicais mais românticos (Quando calienta el Sol naquela playa, sinto tu cuerpo vibrar...). Nas tardes de cinema, ultrapassada a vigilância atenta e implacável do Alexandrino – o eterno artista principal das suas próprias histórias – vibrávamos com as proezas dos nossos heróis – Gary Cooper, Marlon Brando, John Waine e tantos outros. Era verem-nos a incentivá-los nos momentos decisivos das lutas: Dá-lhe! Agora! Boa! Começavam, também, a despontar as primeiras fantasias com a Elisabeth Taylor, Sofia Loren...






Com pachorra de Domingo, à sombra de uma árvore (seria uma acácia?) que nos viu crescer a todos, plantada junto do muro de pedra e cimento que envolvia as traseiras do Clube da Vila, aguardávamos pela santa saída da Missa. Era um ritual que se repetia invariavelmente ao fim da manhã, quando o Sol começava a abrasar. As motorizadas e bicicletas descansavam junto do passeio. Com uma das mãos a segurar com estilo – previamente estudado – um cigarro e a outra enfiada no bolso das calças azuis escuras de Terylene que, com a camisinha branca ou azul clarinho e sapato engraxado, fazia o trajo Domingueiro preferido das nossas mães (não era Santanita), ali estávamos, seguros da pose, à espera que o padre Zé, lá dentro, proferisse as palavras que há muito ansiávamos: Ide em Paz e o Senhor vos acompanhe.


Finalmente, as paixões, as nossas paixões – umas secretas e sublimadas, outras proibidas e algumas, poucas, correspondidas – começavam a sair da Igreja. Mais bonitas e castas do que nunca. Num gesto rápido e discreto deixavam cair o véu que lhes cobria os cabelos e que durante a missa lhes emprestava a aura de recolhimento que a ocasião e o lugar requeriam, mas que, cá fora, lhes roubava alguma sensualidade e algum esplendor. Levantavam os olhos em direcção àquela árvore (seria uma acácia?) e trocavam-se olhares cúmplices.

Os mais felizardos que já namoravam com autorização dirigiam-se, emproados e ufanos, em direcção às suas conquistas que, acompanhadas por amigas, deixavam, calculadamente, as mães adiantarem-se no caminho de regresso a casa para aprontarem o almoço melhorado de Domingo.

Era um quadro digno de uma tela romântica, mas algo insólita: o namorado de mão dada com... a motorizada ou a burra e a namorada de mão dada com... a amiga! Pôr o braço sobre o ombro ou mesmo dar a mão em público, era coisa só permitida quando o enlace fatal estivesse mais próximo e se mostrasse coisa irreversível.

E assim, sem pressa, adolescíamos. Crentes e seguros que aqueles anos jamais fariam anos.

O nosso herói, era bem mais pacato, procurava outras companhias e outras aventuras. Apesar de desbarbado e ainda imberbe, por razões que desconheço, porventura fortuitas, começou a acamaradar com um grupo de militares, chefiado pelo Alferes – comandante do Destacamento. Entrava no Quartel com o mais à vontade com que nós entrávamos na sala de jogos do Clube Ferrovia, nos dias em que o velhote Moreira estava de mau humor. Passeava de Unimog como se de um verdadeiro magala se tratasse e os magalas, esses, tomavam-no como um camarada de armas. Para onde iam, lá ia ele. Acompanhava-os para todos os lados.

Um belo dia, melhor, uma bela noite os nossos militares decidiram que deviam fazer daquela, a noite da iniciação do nosso herói – a Primeira Noite. A que jamais se esquece. A mais embaraçante de todas.

Por cima da roupa que a mãe lhe destinara para aquele dia, enfiaram-lhe um camuflado que excedia, como facilmente se imagina, em dois ou três palmos a estatura do nosso herói. Ficava-lhe enorme! Com duas ou três voltas arregaçaram-lhe as mangas e a bainha das calças, espetaram-lhe o boné em cima da cabeça e aí estava o nosso herói feito soldado (raso) e pronto a ganhar uns galões, perdendo, nessa noite, para sempre, a inocente virgindade. Subiu, pelo seu pé, para o Jeep, um Willys descapotável – igualzinho àquele com que o velhote Pessoa, um dia, subiu a antiga escadaria (que bonita que era!) do Clube da Vila – e sentou-se ao lado do Alferes.




Atrás do Jeep, seguia o Unimog com os restantes soldados. Lá foram todos em cumprimento do dever – patrulhar as redondezas da Vila. Coisa que faziam todas as noites ou quase. Só que aquela era especial. A missão era mais delicada. Levar o nosso herói, pela primeira vez, às putas!

Ao meio do caminho, nervoso, o nosso herói teve vontade de fazer chi-chi. Desceu do Jeep, um pouco envergonhado, meteu-se um ou dois metros dentro do capim e logo aí apercebeu-se das dificuldades que o esperavam: Desapertar os botões da braguilha do camuflado, desabotoar os das calças, e ainda as cuecas. Uff!

Tirou a dita para fora e logo constatou que com tanta roupa, a coisa mal chegava a espreitar o lindo céu estrelado que estava nessa noite. Indeciso, levou a mão à cabeça e coçou-a levemente, preocupado com a parca dimensão que a dita apresentava. Perguntou-se a si mesmo, serei capaz? Estremeceu. Sentiu alguns suores frios. Mas, depois, lembrou-se que aquilo, quando chegasse a hora, iria crescer ainda! Ficou mais descansado. Aliviado subiu de novo para o Jeep.

Quando chegaram ao quimbo aprazado, os tropas, já batidos neste tipo de missão, não tiveram dificuldades em arranjar uma mulher que se dispusesse a mostrar ao nosso herói que a vida é feita de diferentes prazeres.

– Vem “minino” entra! Não tem medo "minino"!
Medo. Medro era o que ele mais tinha. Baixava a cabeça e olhava para a zona nevrálgica na expectativa de ver o volume a aumentar, mas nada! Queda, a dita, mantinha-se inalterável!
– Áca minino! Entra! Insistia a “dama”.

Baixou a cabeça para poder entrar na portinhola da casa – uma cubata feita de pau-a-pique, coberta de capim – e, mais uma vez aproveitou, para espreitar a zona nevrálgica. Com satisfação constatou que a dita começava a compor-se. O ânimo começava a chegar-lhe. Atirou-se então à dama. Ou ao contrário, não sei. Certo é que se embrulharam os dois na esteira, feita de cana e que servia de cama a quem por ali vivia passava ou por ali passava. A luz muito amarela do candeeiro a petróleo e a manta que os cobria não lhe permitia entrever os traços da mulher que tinha por cima dele, nem, muito menos, os pormenores da humilde casa que o hospedava por breves momentos. Breves, mas inesquecíveis e incontáveis!

Quando tudo terminou, levantou-se, abotoou de novo a braguilha e deu-se, então, conta, espantado, que nem sequer tinha despido o camuflado! De imediato uma dúvida assaltou-lhe a mente para o resto da vida: Será que tinha conseguido? Será que tinha sido daquela vez? Ainda hoje, o nosso herói, não sabe responder a essa questão magna. A dúvida continua a persegui-lo. A atormentá-lo.

Meu caro, tranquiliza-te: a virgindade, às vezes, não se perde de uma só vez! Essa é a regra, mas há excepções que por vezes se esgueiram ...


Manuel Sampaio
Maio/Junho de 98, Lisboa

Perguntas singelas...
Li ontem no Bloco de Notas o seguinte trecho de prosa escrito com a maior das naturalidades: "... conheci os dois irmãos (...), Octávio e Marcelo, moçambicanos, brancos, mas aparentemente com um toque de mestiçagem, que os deve orgulhar".
Perguntas singelas: será que o mesmo autor, José Vascocelos Costa, teria sido capaz de ter ficcionado com a mesma naturalidade, este outro texto não muito diferente: "conheci os dois irmãos (...), Octávio e Marcelo, moçambicanos, mestiços, mas aparentemente com um toque de brancura, que os deve orgulhar"? Não lhe ocorreria, por um momento que fosse, que poderia ser apodado de racista e xenófobo e coisas que tais... por aquelas criaturazinhas incapazes de um rasgo para além do politicamente correcto? E se lhe ocorresse, não teria hesitado em fixar o texto daquela forma?
11 de Novembro...
Hoje, ao dar-me conta que estava diante de mais um dia (nesta sucessão de dias que dia a dia se vão amontoando, até um dia...) a primeira coisa de que me lembrei foi de castanhas assadas e da água-pé. Hoje é dia de S. Martinho.
Só mais tarde me ocorreu que era também dia da Independência de Angola. E eu estava nesse já distante dia do ano de 1975. Em Luanda. Estava profundamente convicto da bondade desse dia para o povo Angolano (sublinho povo). Não tinha qualquer dúvida - era um tempo de certezas.
Ironia: Dezembro de 1640 era também um tempo de certezas... E hoje, segundo sondagens, já há tantos com tantas dúvidas...
Sentenças...
Pertenço a uma civilização que recusa a pena de morte. Ponto final.
Tinha a ilusão que pertencia a uma civilização que condenava o uso do terrorismo indiscriminado. Reticências.
E. Herriot (dixit):

"O optimismo é uma preguiça do espírito."
Tácticas... e contradições...

Um dos argumentos mais caros à Esquerda na defesa do direito das mulheres à interrupção voluntária da gravidez era o de invocar a " liberdade de a mulher poder dispôr do seu corpo". Inteligentemente, desta vez, este argumento foi deixado cair! Tácticas...
Não concordo com a maioria dos argumentos a favor do sim. Sou mais sensível às razões que o não evoca. Mas... (sem grande convicção) vou votar sim. Contradições...
Uma casa portuguesa...

Hoje era dia de ir dar brilho aos sapatos ali junto à centenária "A Ginginha", entre o Teatro D. Maria II e a Igreja S. Domingos. Lá fui. Dizia o meu engraxador para o camarada (de profissão) que lhe estava à ilharga, com aquele emblemático sotaque sibilante das Beiras:
– Tu sabes o que vai ser o meu jantar logo à noitinha!?
– Não, ainda não mo disseste...! Resposta à monsieur de la palisse (como gostava de dizer a Cecília) do outro.
– Muamba! Vou comer uma muamba! Carago!
(Não sei o que me deu mais forte em mim. Se este impulso de vir a correr registar esta cena do quotidiano desta Lisboa bairrista e... multicultural, se a vontade de me atirar de imediato a uma muambada com funge, jindungo e tudo!)

Uma História (Henrique não prometo...)

Estava um dia abrasador. Apesar da impiedade com que o Sol àquela hora ameaçava fustigar quem ousasse desafiá-lo, era grande a correria e a gritaria, e sufocante o manto de poeira que logo se levantava. A hora era a do recreio das dez. O mais longo dos períodos que intervalavam as aulas da manhã, e, naturalmente, o mais impacientemente desejado. Não havia tempo a perder: Os que eram capazes de dar dois toques seguidos na bola sem a deixar cair, e de a controlar vitoriosamente até aos montinhos de areia que singelamente demarcavam as balizas, fazendo sentar com um gingar de corpo quem lhes surgisse pela frente, organizavam num abrir e fechar d’olhos uma aguerrida jogatina – tantos para um lado, outros tantos para outro. Os dotados de inato talento, naturalmente, eram os primeiros a ser seleccionados. Ora para um lado, ora para o outro.
As raparigas, e os rapazes que ficavam de fora daquela implacável triagem, optavam por um outro jogo mais saudável – a barra do lenço. Apenas exigia concentração e velocidade na corrida. Para os rapazes, envolvia um atractivo extra – às vezes a desenvoltura e a corrida atabalhoada desnudava as pernas das raparigas bem mais acima do que era habitual e apercebiam-se, boquiabertos, de formas que só em puros devaneios eram tangíveis. Nos dias que se seguiam, à noite, o deslumbramento dessas visões convocava inevitavelmente a fantasia de quem tinha tido esse supremo privilégio; Os mais impetuosos e inclinados a alguma violência elegiam um outro passatempo. Chamavam-lhe o garrafão: o azarado que se distraísse e fosse tocado pela mãe dentro das linhas do denominado garrafão (desenhadas no chão com a simplicidade de uma gravura rupestre) era severamente punido com tapas ao longo do dorsal enquanto não lograsse alcançar e tocar, ainda que fosse com aponta dos dedos, o muro distante que fora previamente escolhido para coito.
Aquela algazarra e gritaria, misturadas com as ondas de poeira em ebulição, abafavam seguramente o costumeiro alvoroço do mais animado mercado árabe.
Apenas um rapaz franzino, cabelos ondulados e castanhos, calções curtos e justos ao adelgaçado corpo, que contava quase tanto de idade como os dedos das suas pequenas mãos, se isolara daquela enorme balbúrdia e agitação. À sorrelfa, mas sem deixar no entanto de assumir um estilo que, claramente, procurava que se assemelhasse a um dos galãs de cinema que venerava, levou à boca a beata que restara de um cigarro que na tarde anterior surripiou do cinzeiro de pé que cirandava pela sala de estar da casa de um tio que lhe era muito querido. Deu umas baforadas e encostou-se ao velho muro, empalidecido pelo tempo, que delimitava o átrio do colégio do passeio que ladeava a artéria principal daquele lugar distante, parado e perdido nas savanas do continente Africano.



Com a cabeça levemente inclinada para o chão, ora pontapeando os pedaços de argamassa que se iam soltando do carcomido muro e das paredes envolventes, ora calcando premeditadamente o escasso e raso capim, que rente ao muro conseguia sobreviver ao jogo da bola e àquelas desvairadas brincadeiras que ali diariamente se repetiam, ali estava o Edmundo, pensativo, encostado não só àquele velho muro, mas também a uma pergunta que há muito tempo o assaltava e para a qual não tinha ainda encontrado resposta e não sabia se alguma dia a encontraria. Era algo de estranho. Algo que não sabia explicar. Um mistério que apesar de muito nele cismar, não lograva decifrar.


Continua.... clique em Parte II

Poemas (ridículos) de amor, quem um dia os não fez...? (I)


Há sempre um cais onde esperar

Uma sombra onde repousar
Uma palavra por inventar
(Uma caipirinha que se bebe
Sem nunca acabar)

Um sorriso

Que se detém nos teus lábios sem se desfazer
Um fim de tarde
Que baloiça na linha do horizonte
E se recusa a escurecer

Um rio

Que corre sem nunca desaguar
Um barco que vai e volta
Redemoinha nos teus seios
Perde-se em círculos na tua cintura…
Onde eu, louco viajante
Me deito a navegar

Espantoso...


É espantoso. Condoleeza Rize, é hoje a Secretária de Estado da nação mais poderosa do planeta! Espantoso: Há quarenta anos apenas, então menina, era lhe vedado beber da mesma torneira em que bebiam os meninos brancos, não podia apanhar o mesmo autocarro ou frequentar a mesma escola. Por uma simples razão. Ser negra. Hoje lidera a política Externa e de Segurança dessa mesma nação que durante os melhores anos da sua juventude a segregava e humilhava.
É espantoso o passo largo, firme e decidido que os EUA deram em tão pouco tempo – menos de uma geração – no reconhecimento do direito a uma cidadania igual e plena a todos os seus cidadãos. Em nenhum outro país do mundo se assistiu (ou se assiste) a um tão rápido processo de integração efectiva dos cidadãos de outras cores ou credos. Percorro as caras dos ministros dos governos Europeus, em particular das ex-potências coloniais que por força da história acolhem desde há muito comunidades de diferentes raças, e não vejo nenhum negro, indiano ou asiático. E altos funcionários do Estado, há-os!? Alimento algumas dúvidas. E apresentadores de Televisão!? Os dedos de uma mão bastariam para os contar (veja-se, em contraponto a CNN). No entanto esta Europa enche todos os dias a boca com seu multiculturalismo e com o seu modelo de integração querendo muitas vezes, com altivez e arrogância, cotejar, neste campo, com os EUA. Espantoso.

Não sei que idade terá a Condoleeza Rice. Será mais nova do que eu. Pouco mais. Mas ao vê-la, há dias, numa entrevista de carácter pessoal, recordar sem qualquer azedume, sem ponta de rancor (tão frequentes e inusitados, embora até compreensíveis), a segregação racial de que fora vítima durante os anos sessenta nessa grande democracia, quer queiramos ou não, que efectivamente são os EUA desde a sua fundação, não pude, dizia, deixar de rememorar, inevitavelmente, os meus tempos de Escola em Angola, nesses mesmos anos sessenta – os derradeiros do vasto período colonial (colonialista, como sublinharia eu próprio nos meus anos de militante leninista) – em pleno regime Salazarista:

Os meus colegas do Colégio eram na sua maioria brancos. Apenas havia dois negros (pretos, como aludíamos nós), e alguns mulatos. Três dos mestiços, o Alberto, o João e o Manecas eram, e são felizmente, meus primos direitos. Éramos, e felizmente somos, como irmãos. Pretos, eram, na realidade só dois. O Satumbo e o Chandamisssa.

Eram poucos (noutros lugares seriam bem mais), muito poucos, mas frequentávamos o mesmo Colégio (privado), pagávamos as mesmas propinas, corríamos pelos mesmos corredores, frequentávamos as mesmas salas de aulas, sentávamo-nos nas mesmas carteiras, jogávamos com a mesma bola e... bebíamos da mesma torneira, nesses mesmos anos sessenta!




Nós – eu, os meus primos, o Santumbo e o Chandamissa - em regime colonial e em ditadura, e a Condoleeza Rice (uma grande senhora, quer gostem ou não) e as suas quatro amigas (brutalmente assassinadas numa Igreja Baptista por aqueles que defendiam a discriminação racial com injustificada ferocidade ), num país livre e desde a sua origem uma grande democracia... Espantoso!

Uma história ( parte II )

.... Era algo de estranho. Algo que não sabia explicar. Um mistério que apesar de muito nele cismar, não lograva decifrar.

Ao fundo do quintal da casa onde vivia, junto a uma papaieira que se erguia, esguia e altiva, para o céu, permanecia já há alguns anos, no meio de muita tralha que por lá havia, um velho tambor de gasolina, vazio, enferrujado e que há muito deixara de ter qualquer serventia a não ser a de o velho cozinheiro lá de casa – o Miápia – nele se empoleirar, e com uma vara bifurcada numa das pontas colher as deliciosas papaias antes que elas viessem a sucumbir de maduras à lei inexorável da gravidade e se esborrachassem inevitavelmente no chão.


Cada vez que o pequeno Edmundo – constatava ele – acertava no enferrujado e vazio tambor com um pedra ou mesmo quando o percutia com o nó dos seus pequenos e inábeis dedos ou com qualquer outra coisa que fortuitamente tivesse à mão, o som que se fazia ouvir – uma toada que se prolongava por alguns segundos até se esvair, como se de um crepúsculo se tratasse – tinha, sem saber porquê, e era essa a pergunta que há muito o consumia, o misterioso dom de o transportar para a longínqua aldeia onde, poucos anos, antes nascera. Naquele instante sentia-se apresado por um estranho estado de alma, vago e nebuloso que teria sérias dificuldades em o caracterizar se alguém o interpelasse. Melancolia? Nostalgia? Saudade? Eram vocábulos dos quais não conhecia ainda a verdadeira significação. Mas fosse o que fosse, o certo é que aquele suave emaranhado de sentimentos o deixava tão consolado e tão acalentado, que era como se regressasse por felizes momentos ao útero materno. E... apetecia-lhe fazer ecoar de novo o tambor. Atirava-lhe uma outra pedrinha e… mal soava a mágica toada, aquela bruma de sensações, enevoada e amena, voltava a envolvê-lo e, estranhamente, a aconchegá-lo. E regressava de novo a aldeia… – Vilar dos Vinhedos, uma aldeia de Trás-os-Montes.

Nada visualizava, porém. Nem a casa onde nascera, nem as grandes lajes romanas que faziam o caminho de sua casa ao Largo do Adro, nem as tílias que tarjavam a Igreja oitocentista onde fora baptizado. Nada visualizava. E de nada se lembrava. Não tinha a mais ténue recordação daquele lugar que lhe assaltava a memória mal ecoava aquela mágica melodia.
Naturalmente que nenhuma imagem, por mais esbatida que fosse, ficara gravada na sua lembrança: a mãe, ele e a irmã de colo, tinham deixado os vinhedos, os quelhos, o largo do Adro, as lajes romanas, o Senhor da Capelinha, nos idos de Abril de 1953, apenas três meses depois de cumprir o seu segundo aniversário!

Embarcaram num dia chuvoso, em Lisboa, no paquete "Mouzinho" da Companhia Colonial de Navegação que fazia a sua derradeira viagem pela costa da Àfrica Ocidental Portuguesa, com destino ao Lobito



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