Poemas (ridiculos) de amor, quem um dia os não fez... (II)

Quem dera
Nas tuas mãos, entre os dedos,
Pousar os meus segredos

Quem dera
No teu leito, nos teus seios
(despidos)
Adormecer os meus receios

Quem dera
Nos teus olhos
(verdes olhos)
Cabelos castanhos aos folhos
Alagar a minha melancolia
Em ondas soltas de maresia

Quem dera
Na tua pele
(vestida de mel)
Adoçar os amargos da minha boca
Que é tão leda
Que é tão louca

Quem dera, meu amor, quem dera
A PRIMEIRA NOITE... OU COMO SE NÃO PERDE A VIRGINDADE DE UMA SÓ VEZ
(Estória já contada e que me limitei, agora, a ilustrá-la)



Insinuando o pequeno e leve gesto de os beijar, cruzo os dedos indicadores, e, solenemente, como nos tempos de puto, juro. Juro com Deus: Esta que vou contar não se passou comigo. Juro! Juro com Deus! Com a mesma solenidade, asseguro-vos não desvendar quem foi o herói desta história. Melhor: Juro! Juro mesmo! Com Deus!

Direi apenas que era, na época, um rapaz acanhado, de poucas falas. O rubor traía-o com alguma frequência. Hoje, homem maduro, não perdeu ainda a timidez. Essas coisas, aliás, nunca se perdem totalmente. Mas soube sempre domá-la.

Não me lembro ao certo que ano corria por aquela altura. Certo, certo, é que o terrorismo já tinha rebentado. O boato que dava como iminente a entrada dos turras por ali adentro e que ficou célebre, se a memória me não prega das suas, ocorrera já há dois ou três anos. Tanto que a antiga Escola Primária já se tinha transformado no quartel que veio acolher o Destacamento Militar. A 4ª Classe estava, pois, acabada – já tinha feito provas que sabia de cor e salteado os afluentes do Rio Douro e do Tejo e que conhecia, um a um, os apeadeiros da Linha da Beira Alta e da Beira Baixa! O nosso herói também. Andávamos ambos pelos 12 ou 13 anos. Não mais ou pouco mais. Já tinhamos dado os primeiros passos no Francês e aprendido, para o resto da vida, que há sempre excepções que se esgueiram à regra (todas as palavras terminadas em age, com excepção de... e seguia-se a lenga-lenga).

Os tropas do dito aquartelamento lá andavam. Com pouco que fazer. A actividade resumia-se ao render da sentinela, ao hastear da bandeira e a uma ou outra parada em dias de cerimónia oficial (que terminavam, invariavelmente, com vivas inflamados ao aborígene de Santa Comba e a bem da Nação! Claro!). A guerra passava-lhes ao lado. A nós também. Afinal os turras andavam longe, pelo Norte da Província. A frente Leste não tinha, ainda, sido aberta. Fustigavam a Pedra Verde. Nambuamgongo. Nóqui.





Nomes que os anos quentes da guerra mitificaram e que inspiravam respeito. Muito respeito e à volta dos quais se fazia um silêncio que amedrontava quando eram pronunciados. Pela Rádio pouco se sabia e no Jornal nada se lia. Quando – de quando em quando – nos chegavam os ecos dos combates, através de relatos que em surdina passavam de boca em boca, sentíamos o medo que seria cair numa emboscada no seio daquele mato imenso, colossal e escuro. Quase nos parecia ouvir o barulho do capim e o tilintar das catanas inimigas e baionetas que, no início da guerra, adornavam as Mausers dos (nossos) combatentes. Eram aqueles nomes que, afinal, nos lembravam que vivíamos uma guerra que parecia, pacientemente, sem pressas, esperar por cada um de nós. A nossa vez haveria de chegar! Era, talvez, a única certeza!

Enquanto tardava essa hora que julgávamos fatal, a Rua era a nossa (na)morada dilecta e o Sol um companheiro que nunca nos abandonava. Mesmo quando o dia já cansado, inevitavelmente, se vestia de negro, adormecíamos com a certeza que logo pela manhã, ao romper do dia, lá estaria de novo aquele companheiro quente e luminoso a acordar-nos pelas frestas da janela.

Fora de casa é que estávamos bem. Jogávamos à bola no Parque da Vila – palco de tantas aprendizagens – com pontapés que levavam muitas vezes, para nosso desalento, a borrachinha em voo sem regresso sobre o muro e as mangueiras do quintal do velhote Lemos. Trepávamos as buganvílias e as árvores que serpenteavam a Rua de Trás, onde as (mães) pretas montavam banca e vendiam os inigualáveis doces de jinguba. Rodávamos filmes de Cowboys e Indíos, dirigidos com mestria e imaginação pelo Zé Lemos (qual Spielberg!). Fugíamos para o Rio e para a Lagoa do John. Construíamos e afundávamos jangadas de bananeiras.



Uns com fisgas e os mais afortunados com pressões d’ar, íamos, em chusma, à caça das rolas e dos siripipis para os lados do Forno da Cal e da Cerâmica. Pelo caminho ruminávamos (como gostava de dizer a Cecília) chuíngamos adquiridos na loja do velho Falcão ou, em tempos ainda mais idos, no bar do velho Fraga. Intercala(pá)vamos um p no me(p)eio de cada pa(pa)lavra qua(pa)ndo não quer(ep)íamos se(pe)r entendi(pi)dos.

Subíamos aos Filtros da Água e na volta jogávamos matraquilhos no Chipútia (Matraquilhos! O único desporto em que atingi alguma notoriedade! Bola nos três era golo pela certa!)

Coleccionámos cromos que comprávamos na Loja do Ambrósio e gozávamos com as encantadoras (!) e inefáveis sobrinhas.

Nos intervalos das nossas aventuras, quando estávamos já a tinir e a guita não chegava para um Nilos ou um Delta, fumávamos com a mesma avidez um chiquinho ou mesmo uma biúla esquecida num cinzeiro qualquer e combinávamos novas fugas, novas aventuras. E quando, de quando em quando, nada havia para fazer, provocávamos com alguma crueldade os boleiros e sorveteiros que a mãe dos “Penas” tinha ao seu serviço – vítimas, às vezes, do nosso ócio.

Soltos e cheios de fúria dançávamos o Twist e com muito farfalho e doçura, os tangos a média luz e os números musicais mais românticos (Quando calienta el Sol naquela playa, sinto tu cuerpo vibrar...). Nas tardes de cinema, ultrapassada a vigilância atenta e implacável do Alexandrino – o eterno artista principal das suas próprias histórias – vibrávamos com as proezas dos nossos heróis – Gary Cooper, Marlon Brando, John Waine e tantos outros. Era verem-nos a incentivá-los nos momentos decisivos das lutas: Dá-lhe! Agora! Boa! Começavam, também, a despontar as primeiras fantasias com a Elisabeth Taylor, Sofia Loren...






Com pachorra de Domingo, à sombra de uma árvore (seria uma acácia?) que nos viu crescer a todos, plantada junto do muro de pedra e cimento que envolvia as traseiras do Clube da Vila, aguardávamos pela santa saída da Missa. Era um ritual que se repetia invariavelmente ao fim da manhã, quando o Sol começava a abrasar. As motorizadas e bicicletas descansavam junto do passeio. Com uma das mãos a segurar com estilo – previamente estudado – um cigarro e a outra enfiada no bolso das calças azuis escuras de Terylene que, com a camisinha branca ou azul clarinho e sapato engraxado, fazia o trajo Domingueiro preferido das nossas mães (não era Santanita), ali estávamos, seguros da pose, à espera que o padre Zé, lá dentro, proferisse as palavras que há muito ansiávamos: Ide em Paz e o Senhor vos acompanhe.


Finalmente, as paixões, as nossas paixões – umas secretas e sublimadas, outras proibidas e algumas, poucas, correspondidas – começavam a sair da Igreja. Mais bonitas e castas do que nunca. Num gesto rápido e discreto deixavam cair o véu que lhes cobria os cabelos e que durante a missa lhes emprestava a aura de recolhimento que a ocasião e o lugar requeriam, mas que, cá fora, lhes roubava alguma sensualidade e algum esplendor. Levantavam os olhos em direcção àquela árvore (seria uma acácia?) e trocavam-se olhares cúmplices.

Os mais felizardos que já namoravam com autorização dirigiam-se, emproados e ufanos, em direcção às suas conquistas que, acompanhadas por amigas, deixavam, calculadamente, as mães adiantarem-se no caminho de regresso a casa para aprontarem o almoço melhorado de Domingo.

Era um quadro digno de uma tela romântica, mas algo insólita: o namorado de mão dada com... a motorizada ou a burra e a namorada de mão dada com... a amiga! Pôr o braço sobre o ombro ou mesmo dar a mão em público, era coisa só permitida quando o enlace fatal estivesse mais próximo e se mostrasse coisa irreversível.

E assim, sem pressa, adolescíamos. Crentes e seguros que aqueles anos jamais fariam anos.

O nosso herói, era bem mais pacato, procurava outras companhias e outras aventuras. Apesar de desbarbado e ainda imberbe, por razões que desconheço, porventura fortuitas, começou a acamaradar com um grupo de militares, chefiado pelo Alferes – comandante do Destacamento. Entrava no Quartel com o mais à vontade com que nós entrávamos na sala de jogos do Clube Ferrovia, nos dias em que o velhote Moreira estava de mau humor. Passeava de Unimog como se de um verdadeiro magala se tratasse e os magalas, esses, tomavam-no como um camarada de armas. Para onde iam, lá ia ele. Acompanhava-os para todos os lados.

Um belo dia, melhor, uma bela noite os nossos militares decidiram que deviam fazer daquela, a noite da iniciação do nosso herói – a Primeira Noite. A que jamais se esquece. A mais embaraçante de todas.

Por cima da roupa que a mãe lhe destinara para aquele dia, enfiaram-lhe um camuflado que excedia, como facilmente se imagina, em dois ou três palmos a estatura do nosso herói. Ficava-lhe enorme! Com duas ou três voltas arregaçaram-lhe as mangas e a bainha das calças, espetaram-lhe o boné em cima da cabeça e aí estava o nosso herói feito soldado (raso) e pronto a ganhar uns galões, perdendo, nessa noite, para sempre, a inocente virgindade. Subiu, pelo seu pé, para o Jeep, um Willys descapotável – igualzinho àquele com que o velhote Pessoa, um dia, subiu a antiga escadaria (que bonita que era!) do Clube da Vila – e sentou-se ao lado do Alferes.




Atrás do Jeep, seguia o Unimog com os restantes soldados. Lá foram todos em cumprimento do dever – patrulhar as redondezas da Vila. Coisa que faziam todas as noites ou quase. Só que aquela era especial. A missão era mais delicada. Levar o nosso herói, pela primeira vez, às putas!

Ao meio do caminho, nervoso, o nosso herói teve vontade de fazer chi-chi. Desceu do Jeep, um pouco envergonhado, meteu-se um ou dois metros dentro do capim e logo aí apercebeu-se das dificuldades que o esperavam: Desapertar os botões da braguilha do camuflado, desabotoar os das calças, e ainda as cuecas. Uff!

Tirou a dita para fora e logo constatou que com tanta roupa, a coisa mal chegava a espreitar o lindo céu estrelado que estava nessa noite. Indeciso, levou a mão à cabeça e coçou-a levemente, preocupado com a parca dimensão que a dita apresentava. Perguntou-se a si mesmo, serei capaz? Estremeceu. Sentiu alguns suores frios. Mas, depois, lembrou-se que aquilo, quando chegasse a hora, iria crescer ainda! Ficou mais descansado. Aliviado subiu de novo para o Jeep.

Quando chegaram ao quimbo aprazado, os tropas, já batidos neste tipo de missão, não tiveram dificuldades em arranjar uma mulher que se dispusesse a mostrar ao nosso herói que a vida é feita de diferentes prazeres.

– Vem “minino” entra! Não tem medo "minino"!
Medo. Medro era o que ele mais tinha. Baixava a cabeça e olhava para a zona nevrálgica na expectativa de ver o volume a aumentar, mas nada! Queda, a dita, mantinha-se inalterável!
– Áca minino! Entra! Insistia a “dama”.

Baixou a cabeça para poder entrar na portinhola da casa – uma cubata feita de pau-a-pique, coberta de capim – e, mais uma vez aproveitou, para espreitar a zona nevrálgica. Com satisfação constatou que a dita começava a compor-se. O ânimo começava a chegar-lhe. Atirou-se então à dama. Ou ao contrário, não sei. Certo é que se embrulharam os dois na esteira, feita de cana e que servia de cama a quem por ali vivia passava ou por ali passava. A luz muito amarela do candeeiro a petróleo e a manta que os cobria não lhe permitia entrever os traços da mulher que tinha por cima dele, nem, muito menos, os pormenores da humilde casa que o hospedava por breves momentos. Breves, mas inesquecíveis e incontáveis!

Quando tudo terminou, levantou-se, abotoou de novo a braguilha e deu-se, então, conta, espantado, que nem sequer tinha despido o camuflado! De imediato uma dúvida assaltou-lhe a mente para o resto da vida: Será que tinha conseguido? Será que tinha sido daquela vez? Ainda hoje, o nosso herói, não sabe responder a essa questão magna. A dúvida continua a persegui-lo. A atormentá-lo.

Meu caro, tranquiliza-te: a virgindade, às vezes, não se perde de uma só vez! Essa é a regra, mas há excepções que por vezes se esgueiram ...


Manuel Sampaio
Maio/Junho de 98, Lisboa

Perguntas singelas...
Li ontem no Bloco de Notas o seguinte trecho de prosa escrito com a maior das naturalidades: "... conheci os dois irmãos (...), Octávio e Marcelo, moçambicanos, brancos, mas aparentemente com um toque de mestiçagem, que os deve orgulhar".
Perguntas singelas: será que o mesmo autor, José Vascocelos Costa, teria sido capaz de ter ficcionado com a mesma naturalidade, este outro texto não muito diferente: "conheci os dois irmãos (...), Octávio e Marcelo, moçambicanos, mestiços, mas aparentemente com um toque de brancura, que os deve orgulhar"? Não lhe ocorreria, por um momento que fosse, que poderia ser apodado de racista e xenófobo e coisas que tais... por aquelas criaturazinhas incapazes de um rasgo para além do politicamente correcto? E se lhe ocorresse, não teria hesitado em fixar o texto daquela forma?
11 de Novembro...
Hoje, ao dar-me conta que estava diante de mais um dia (nesta sucessão de dias que dia a dia se vão amontoando, até um dia...) a primeira coisa de que me lembrei foi de castanhas assadas e da água-pé. Hoje é dia de S. Martinho.
Só mais tarde me ocorreu que era também dia da Independência de Angola. E eu estava nesse já distante dia do ano de 1975. Em Luanda. Estava profundamente convicto da bondade desse dia para o povo Angolano (sublinho povo). Não tinha qualquer dúvida - era um tempo de certezas.
Ironia: Dezembro de 1640 era também um tempo de certezas... E hoje, segundo sondagens, já há tantos com tantas dúvidas...
Sentenças...
Pertenço a uma civilização que recusa a pena de morte. Ponto final.
Tinha a ilusão que pertencia a uma civilização que condenava o uso do terrorismo indiscriminado. Reticências.
E. Herriot (dixit):

"O optimismo é uma preguiça do espírito."