“Cacimbo a cacimbo, de calema em calema, os nossos velhos ergueram lugares, vilas e cidades onde, antes, só havia mato e capim! Uniram margens, outrora intransponíveis! Abriram picadas, rasgaram caminhos. Uns de ferro, outros de terra batida, mais tarde de alcatrão. Edificaram escolas. Construíram portos. Ensinaram a ler, a escrever, a fazer contas. Substituíram o cazumbir e o feiticeiro, pela sulfamida, o quinino, a penicilina, o enfermeiro e o médico. Numa esteira estendida pelo chão, no quimbo ou na sombra de uma mangueira, quantas vezes com amor, outras por precisão, fizeram mulatos, morenas de Angola, garotas de Ipanema! Que sonetos mais bonitos podiam ter feito? Vejo e oiço os dirigentes deste meu Velho País. Arrepiam-se, como eu, quando em pedras esquecidas pelo tempo e pelos homens, e corroídas pela erosão dos séculos, se decifram tenuemente as Cinco Quinas esculpidas por mãos sem nome e sem rosto. Emocionam-se, como eu, quando ouvem palavras soletradas em português por bocas famintas de gente humilde em lugares longínquos e inóspitos onde, perante tão grande lonjura, se pergunta, mas ali havia gente? Também ali chegámos? Palavras ditas com sotaque em que o artigo definido ou indefinido, admiravelmente, não concorda, quanto ao número com o substantivo que o acompanha. Palavras que têm o sabor das manga, dos coco e das goiaba. Emocionam-se e logo se lembram, como eu, de citar Pessoa: a Língua Portuguesa é a minha Pátria! Mas a nenhum deles ocorre perguntar, como eu tantas vezes me pergunto, com a ironia de quem sabe de antemão a resposta, quem é que construiu essa Pátria sem fronteiras a que chamam, agora, com acerto, Lusofonia? Quem é que lhe desenhou o corpo, tisnou a pele e lhe deu alma? Sem ter consciência disso, eu sei. Mas quem foi? Quem é que teceu esses laços que nem a erosão do tempo, as distâncias e as guerras lograram destruir e que, agora, todos dizem querer preservar e cuidar como se de frágeis flores se tratassem? Quem é que espalhou essas palavra portuguesa, como se fossem sementes, por essas terra longínquas? O vento não foi certamente..., diria um outro poeta, embora, pela grandeza da obra, mais parece ter sido mister da natureza do que dos homens! Quem foi? Quem foi? Quem foi, então!?
Eles, os dirigentes deste meu velho país, sabem tão bem como eu. Mas não ousam dizê-lo. Prisioneiros do que é politicamente correcto, não têm a coragem do poeta de Abril que gritava bem alto: “Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são/Se for um copo é um copo/ se for um cão é um cão”.
Vá! Não tenham medo da palavra! Foram os colono! Porra! Foram os colonos! Chiça!
Foram os nossos velhos! Os que há muito partiram, os que partiram há pouco, os que – como o meu pai – em breve partirão e os que – como nós – um dia partirão. Mais ninguém! Eles que (sem saber) escreveram tantas páginas da nossa História, a História (feita hoje) reservar-lhes-á apenas as mais sujas (que as houve)… Tamanha injustiça!
Não foi uma obra desinteressada? Tem páginas negras? Gerou injustiças? Correram lágrimas e sangue? Apontem-me obra humana sem mácula, inocente, pura, perfeita!
Isto foi parte do que, há uns anos, escrevi, talvez com excessiva emoção, a propósito da morte de um antigo professor e da morte do meu pai que então se esperava para breve.