Olhos nos Olhos

Beijo-te, meu amor, como o amanhecer
(lento e sem pressa)
Beija a luz do dia.
Os dedos das minhas mãos
Nos vértices dos teus lábios dançam.
A seda preta que de mim
O teu corpo esconde,
As minhas mãos desnudam.
E nua,
Com o fogo das quentes tardes africanas,
O teu ousado corpo beijo.
 

Abril (e eu)



Aí está de novo o 25 de Abril. E já passaram 35 anos! Foi ontem… não foi…!? "Aqui Posto de Comando das Forças Armadas…". Foi assim que começou. Foi nesse dia, assim, com aquelas palavras, que tudo começou… Que tudo começou a ser diferente. O país. As gentes do nosso país. Os países que faziam parte do nosso país. As gentes desses países. Todos. Todos passámos a ser diferentes. As pessoas. A mentalidade das pessoas. As relações entre as pessoas. Tudo e todos passaram a ser diferentes. E os que a seguir àquela data nasceram, mais diferentes ainda.

Para mim, não foi bem nesse dia que tudo começou… Não foi bem nesse dia que comecei a ser uma pessoa diferente do que era até ali. Foi, curiosamente, também em Abril. Num outro dia. Num outro ano. E numa outra década. Foi a 17 de Abril de 1969. Em Coimbra. Cinco antes do 25 de Abril! Estalara, então, a Crise Académica de Coimbra. (Fez agora quarenta anos). E foi nesse dia que comecei a ser uma pessoa diferente. A pensar. A pensar-me. A pensar sobre as coisas. A dar conta que mesmo "no céu cinzento/sob o astro mudo" “não há machado que corte a raiz ao pensamento”. A perceber que havia quem, de uma forma organizada e violenta, tinha por missão impedir que o pensamento que clamava por liberdade (e por tantas outras coisas) se espalhasse como "a trova do vento que passa" por todo o país.
Morria também nesse dia (desnecessariamente... percebi, depois, que não era necessário destruí-lo) o meu romantismo dos “verdes anos” e nascia, inevitavelmente, aquilo que chamava pomposa e ufanamente a minha consciência política. Como eu me sentia (estupidamente) bem quando pensava que aqueles que não percebiam as coisas que eu percebia, não percebiam (o que eu percebia) porque não pensavam. Porque não tinham a "tal" consciência política que eu tinha. Que eu tinha adquirido. Eu tinha consciência e eles, pobres coitados, (dizia eu para mim com um discreto, como convinha, sentimento de superioridade) não tinham. Não a tinham. Porque no dia no dia em que a tivessem, julgava eu, o país e o mundo seriam definitivamente diferentes…para melhor (claro!).
Morria, assim, o meu romantismo dos verdes anos. Nascia, dessa maneira, a minha consciência política. E era afinal tão ingénua aquela consciência política que só mais tarde me dei conta, muito mais tarde, que, afinal, nesse dia nascera um outro romantismo. Um romantismo que, julgava eu, ia mudar o mundo. O país e o mundo. Mais ainda: que ia mudar o Homem (que tamanha ingenuidade!). Um romantismo que levado às ultimas consequências (e se assim não fosse levado, não era romantismo) se mostrava e se mostrou intolerante. Muitas vezes até violento, para quem não pensava como nós, para quem não queria mudar o mundo.

(A propósito, lembro-me de um dia, um militar de Abril - talvez aquele a quem mais a democracia deve e aquele que mais pensava e reflectia sobre a revolução de Abril, e que teve, juntamente com outros, grandes responsabilidades no processo de descolonização - ter tido a humildade de reconhecer, a propósito exactamente da descolonização, que se podia (e se devia) ter feito muito melhor. De todo aqueles que tiveram grandes responsabilidades (para o bem e para o mal), foi o único, até hoje, que o reconheceu. Estou a falar do major Mello Antunes. Todos os outros se justificam e se refugiam nas circunstâncias históricas fazendo crer que tudo era inevitável. Nem tudo era inevitável. Nem tudo.)

Ainda assim valeu a pena. Se valeu! Se valeu! Mas se tudo se repetisse haveria coisas que eu também não repetiria. Muitas coisas. Muitas coisas. E uma delas a nível muito pessoal e sentimental (Ah! Sentimental… palavra que eu e outros, estupidamente, nesses anos abandonámos por… não se coadunar com o fervor revolucionário…). E essa foi em Luanda. (Sim, meu amor, estou a falar de ti). Prestaria mais atenção aos outros e a mim próprio. Prestaria mais atenção às vozes dos outros (e, acima de tudo, à tua meu amor) e à minha voz (àquela que vem cá de dentro).

Luminosidades

Persistem os raios de sol e de luz… Hoje não fujo deles. Bebo-os como se fossem cristalinos fios de água. Fresca… Escaldante… É desta água que eu vivo!

Luminosidades

Hoje é mais um desses dias... Apetece-me fugir dos raios de sol e da luz. Merda!

Para ti, meu amor

Muito.
Muito.
Muito.

Amo-te muito.

(Tanto, tanto, tanto que me não cansaria, por fim, desfalecer
Repetindo… repetindo… repetindo…
Amo-te muito. Muito. Muito. Muito.
E assim reboar… reboar...
Como infinitamente reboam os sinos, os sinos, os sinos
De Allan Poe)

Lisboa, 29 e 30 Março

Um poema com amor

Eras o rumor das ondas do mar
E eu não o ouvia
Eras o verde vento que mal soprava
E eu não o presentia
Eras o verde quieto das árvores
E eu não o via

E o azul que se estendia do cimo daquela escarpa
Era o azul do céu que à tarde se incendiava

Eram as cores da íris dos teus olhos…
Eras tu e a tua quietude que vinha lá longe
E eu não te via

Lisboa, 5/6 de Março

Luminosidades

Aqui está um ramo de raiozinhos de luz. Um bouquet. Parabens! Muitos parabens!

Luminosidades

Há raios de sol assim: doces e meigos. Não queimam. e aquecem a alma. Por dentro.

Luminosidades

Há dias assim: apesar do sol, têm a melancolia de um legato de violoncelo ao final da tarde.

Luanda

Até há bem pouco tempo, quando falava de Angola e das suas cidades, tinha a mania e o cuidado de precisar que havia uma cidade que não me deixara saudades! A cidade era Luanda! Que Luanda, tirando, talvez, a ilha e o Mussulo, nada ou pouco me dizia. Para além (claro! claro! claro!) dos amigos (e) do Convívio da Faculdade de Medicina. Saudades, saudades, sentia-as apenas, e fundas, do primordial e eterno Cubal, da moreníssima Benguela, do Lobito (mais) cosmopolita e do mato. Do mato profundo e silencioso das terras do Quendo e do Lutira onde, com a minha irmã e os meus primos (também meus irmãos), passei a meninice à caça das zonguinhas e das rolas, a "conduzir" arcos de bicicleta com a ajuda de pequenos cacetes, ir à pesca com anzóis pendurados em canas de bambu e a tomar banho nos rios sem calcular o risco que às vezes corríamos (os jacarés, como nós, eram também comensais daqueles rios), e que só a estes sítios gostaria um dia, verdadeiramente, de voltar. Luanda não. Luanda serviria apenas para fazer escala e escapulir-me de imediato para aqueles lugares mais longínquos e "sagrados".
Mas há uns tempos, no verão passado, disseram-me que a Visão acompanhava a revista que saía nesse dia com dois DVDs sobre Angola dos anos 70. Corri a comprá-los. A revista não a li. Desfolhei-a. Os vídeos, acreditem, também não os vi. Guardei-os. Há certas coisas que só gosto de ver ou ouvir (como um fado do Camané) quando um certo estado de alma se avizinha. (Não vale a pena precisar qual). Guardei-os, como se de um tesouro se tratasse, à espera desse momento.
Aquele estado de alma furtivamente abeirou-se de mim há dias. Lembrei-me dos DVs. Fui vê-los. Comecei com o vídeo sobre Luanda. Foram muitas as coisas que passaram diante dos meus olhos. Foram muitas as emoções que me encheram a alma e muitos os pensamentos que me assaltaram a cabeça, alguns deles contraditórios, outros politicamente pouco correctos, mas todos eles genuínos. Afinal, descobri, que tenho saudades de Luanda! A minha dúvida, se é que na realidade a tenho, é se são saudades de Luanda ou se são saudades daquela Luanda. A Luanda daqueles tempos. Inclino-me visivelmente mais para esta última hipótese. Os Luandenses de hoje e aqueles Luandenses (poucos, muito pouco – mas é sempre assim historicamente) como Luandino, que foram vítimas ou tiveram consciência (como eu partir de uma dada altura também tinha) do regime colonial em que que se vivia que me perdoem mas é mesmo daquela Luanda que, afinal, descobri, que tenho mesmo saudades.
O documentário está muito bem feito. Aliás, creio, que é um documentário feito na época para servir de propaganda ao regime colonial. Uma boa propaganda. Mas a verdade é que a realidade que nos era mostrada, estava lá, existia, não era uma encenação. O progresso, a construção de edifícios modernos, as escolas frequentadas indistintamente por meninos brancos e pretos, os liceus, a Universidade, as piscinas, os Cinemas, as esplanadas, os mercados, o trânsito animado, os polícias sinaleiros, as grandes avenidas. Tudo isso estava lá. Claro que havia uma outra realidade que não nos era mostrada no documentário. Os musseques, as sanzalas e a luta clandestina, por exemplo. Mas tão real era uma realidade como outra. E aquela da qual, afinal, tenho saudades é mesmo daquela que nos mostrada neste documentário! Descobri que tenho saudades, muitas saudades da cidade que, durante muitos anos, eu estava convencido que saudades não me deixara. Sem problemas de consciência, nem sentimentos de culpa é da Luanda colonial que tenho saudades. Muitas.

Luminosidades

Os raios de sol voltam a bater nas vidraças da minha janela. Conto-os pacientemente. Há um raiozinho de sol que falta.

O universo dos amigos está também a minguar

Mais um amigo partiu (nunca se saberá para onde). Não resistiu a uma leucemia, apesar do transplante da medula (da irmã) que lhe foi feita. Há alguns anos que deixara de aparecer aos Encontros dos Estudantes do Cubal. Há dois ou três meses sentindo-se em franca recuperação prometeu-me que este ano não faltaria. Senti nas suas palavras que precisava do alento dos velhos amigos. A doença atraiçou-o. Não o deixou cumprir a promessa. Estou a falar do Norberto. O Norberto? Sim, o Norberto. O Norberto Querido Mendes. Até sempre Norberto.