Luminosidades

Aqui está um ramo de raiozinhos de luz. Um bouquet. Parabens! Muitos parabens!

Luminosidades

Há raios de sol assim: doces e meigos. Não queimam. e aquecem a alma. Por dentro.

Luminosidades

Há dias assim: apesar do sol, têm a melancolia de um legato de violoncelo ao final da tarde.

Luanda

Até há bem pouco tempo, quando falava de Angola e das suas cidades, tinha a mania e o cuidado de precisar que havia uma cidade que não me deixara saudades! A cidade era Luanda! Que Luanda, tirando, talvez, a ilha e o Mussulo, nada ou pouco me dizia. Para além (claro! claro! claro!) dos amigos (e) do Convívio da Faculdade de Medicina. Saudades, saudades, sentia-as apenas, e fundas, do primordial e eterno Cubal, da moreníssima Benguela, do Lobito (mais) cosmopolita e do mato. Do mato profundo e silencioso das terras do Quendo e do Lutira onde, com a minha irmã e os meus primos (também meus irmãos), passei a meninice à caça das zonguinhas e das rolas, a "conduzir" arcos de bicicleta com a ajuda de pequenos cacetes, ir à pesca com anzóis pendurados em canas de bambu e a tomar banho nos rios sem calcular o risco que às vezes corríamos (os jacarés, como nós, eram também comensais daqueles rios), e que só a estes sítios gostaria um dia, verdadeiramente, de voltar. Luanda não. Luanda serviria apenas para fazer escala e escapulir-me de imediato para aqueles lugares mais longínquos e "sagrados".
Mas há uns tempos, no verão passado, disseram-me que a Visão acompanhava a revista que saía nesse dia com dois DVDs sobre Angola dos anos 70. Corri a comprá-los. A revista não a li. Desfolhei-a. Os vídeos, acreditem, também não os vi. Guardei-os. Há certas coisas que só gosto de ver ou ouvir (como um fado do Camané) quando um certo estado de alma se avizinha. (Não vale a pena precisar qual). Guardei-os, como se de um tesouro se tratasse, à espera desse momento.
Aquele estado de alma furtivamente abeirou-se de mim há dias. Lembrei-me dos DVs. Fui vê-los. Comecei com o vídeo sobre Luanda. Foram muitas as coisas que passaram diante dos meus olhos. Foram muitas as emoções que me encheram a alma e muitos os pensamentos que me assaltaram a cabeça, alguns deles contraditórios, outros politicamente pouco correctos, mas todos eles genuínos. Afinal, descobri, que tenho saudades de Luanda! A minha dúvida, se é que na realidade a tenho, é se são saudades de Luanda ou se são saudades daquela Luanda. A Luanda daqueles tempos. Inclino-me visivelmente mais para esta última hipótese. Os Luandenses de hoje e aqueles Luandenses (poucos, muito pouco – mas é sempre assim historicamente) como Luandino, que foram vítimas ou tiveram consciência (como eu partir de uma dada altura também tinha) do regime colonial em que que se vivia que me perdoem mas é mesmo daquela Luanda que, afinal, descobri, que tenho mesmo saudades.
O documentário está muito bem feito. Aliás, creio, que é um documentário feito na época para servir de propaganda ao regime colonial. Uma boa propaganda. Mas a verdade é que a realidade que nos era mostrada, estava lá, existia, não era uma encenação. O progresso, a construção de edifícios modernos, as escolas frequentadas indistintamente por meninos brancos e pretos, os liceus, a Universidade, as piscinas, os Cinemas, as esplanadas, os mercados, o trânsito animado, os polícias sinaleiros, as grandes avenidas. Tudo isso estava lá. Claro que havia uma outra realidade que não nos era mostrada no documentário. Os musseques, as sanzalas e a luta clandestina, por exemplo. Mas tão real era uma realidade como outra. E aquela da qual, afinal, tenho saudades é mesmo daquela que nos mostrada neste documentário! Descobri que tenho saudades, muitas saudades da cidade que, durante muitos anos, eu estava convencido que saudades não me deixara. Sem problemas de consciência, nem sentimentos de culpa é da Luanda colonial que tenho saudades. Muitas.

Luminosidades

Os raios de sol voltam a bater nas vidraças da minha janela. Conto-os pacientemente. Há um raiozinho de sol que falta.

O universo dos amigos está também a minguar

Mais um amigo partiu (nunca se saberá para onde). Não resistiu a uma leucemia, apesar do transplante da medula (da irmã) que lhe foi feita. Há alguns anos que deixara de aparecer aos Encontros dos Estudantes do Cubal. Há dois ou três meses sentindo-se em franca recuperação prometeu-me que este ano não faltaria. Senti nas suas palavras que precisava do alento dos velhos amigos. A doença atraiçou-o. Não o deixou cumprir a promessa. Estou a falar do Norberto. O Norberto? Sim, o Norberto. O Norberto Querido Mendes. Até sempre Norberto.