"Viagens com ou sem memória" (2):


“Cacimbo a cacimbo, de calema em calema, os nossos velhos ergueram lugares, vilas e cidades onde, antes, só havia mato e capim! Uniram margens, outrora intransponíveis! Abriram picadas, rasgaram caminhos. Uns de ferro, outros de terra batida, mais tarde de alcatrão. Edificaram escolas. Construíram portos. Ensinaram a ler, a escrever, a fazer contas. Substituíram o cazumbir e o feiticeiro, pela sulfamida, o quinino, a penicilina, o enfermeiro e o médico. Numa esteira estendida pelo chão, no quimbo ou na sombra de uma mangueira, quantas vezes com amor, outras por precisão, fizeram mulatos, morenas de Angola, garotas de Ipanema! Que sonetos mais bonitos podiam ter feito? Vejo e oiço os dirigentes deste meu Velho País. Arrepiam-se, como eu, quando em pedras esquecidas pelo tempo e pelos homens, e corroídas pela erosão dos séculos, se decifram tenuemente as Cinco Quinas esculpidas por mãos sem nome e sem rosto. Emocionam-se, como eu, quando ouvem palavras soletradas em português por bocas famintas de gente humilde em lugares longínquos e inóspitos onde, perante tão grande lonjura, se pergunta, mas ali havia gente? Também ali chegámos? Palavras ditas com sotaque em que o artigo definido ou indefinido, admiravelmente, não concorda, quanto ao número com o substantivo que o acompanha. Palavras que têm o sabor das manga, dos coco e das goiaba. Emocionam-se e logo se lembram, como eu, de citar Pessoa: a Língua Portuguesa é a minha Pátria! Mas a nenhum deles ocorre perguntar, como eu tantas vezes me pergunto, com a ironia de quem sabe de antemão a resposta, quem é que construiu essa Pátria sem fronteiras a que chamam, agora, com acerto, Lusofonia? Quem é que lhe desenhou o corpo, tisnou a pele e lhe deu alma? Sem ter consciência disso, eu sei. Mas quem foi? Quem é que teceu esses laços que nem a erosão do tempo, as distâncias e as guerras lograram destruir e que, agora, todos dizem querer preservar e cuidar como se de frágeis flores se tratassem? Quem é que espalhou essas palavra portuguesa, como se fossem sementes, por essas terra longínquas? O vento não foi certamente..., diria um outro poeta, embora, pela grandeza da obra, mais parece ter sido mister da natureza do que dos homens! Quem foi? Quem foi? Quem foi, então!?

Eles, os dirigentes deste meu velho país, sabem tão bem como eu. Mas não ousam dizê-lo. Prisioneiros do que é politicamente correcto, não têm a coragem do poeta de Abril que gritava bem alto: “Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são/Se for um copo é um copo/ se for um cão é um cão”.
 
Vá! Não tenham medo da palavra! Foram os colono! Porra! Foram os colonos! Chiça!

Foram os nossos velhos! Os que há muito partiram, os que partiram há pouco, os que – como o meu pai – em breve partirão e os que – como nós – um dia partirão. Mais ninguém! Eles que (sem saber) escreveram tantas páginas da nossa História,  a História (feita hoje) reservar-lhes-á apenas as mais sujas (que as houve)… Tamanha injustiça!
 
Não foi uma obra desinteressada? Tem páginas negras? Gerou injustiças? Correram lágrimas e sangue? Apontem-me obra humana sem mácula, inocente, pura, perfeita!

Isto foi parte do que, há uns anos, escrevi, talvez com excessiva emoção, a propósito da morte de um antigo professor e da morte do meu pai que então se esperava para breve.

5 comentários:

Anónimo disse...

Para que saibas, coloquei este texto na net, na sanzala. Óbviamente disse de quem era.
Na altura foi para por os pontos nos is, a uma malta que lá andava. Fez sucesso e, calaram-se.

Que raio de mania a tua de teres vergonha das tuas emoções.
É o que de melhor temos!!!
Um abraço
GED

Anónimo disse...

Quem foi o responsavel pelo holocausto de mais de 7 milhões de indigenas? Quem eram aqueles que durante séculos escravizaram, traficaram, violentaram e mataram os negros da África? Quem foi que durante séculos delegou às colônias o analfabetismo, pobreza absoluta e a falta de saneamento básico? Quem foi? Quem foi? Quem foi que só saiu da pobreza graças a esmola generosa da União Européia? Quem foi? Quem foi?

Anónimo disse...

Não tenho procuração do Manuel Sampaio (MS),que não conheço, enm ele precisará. Mas aqui vai:

A Maria Bigoduda (ou Manel, nunca se sabe) não deve ter lido o post do (MS) até ao fim. O farfalhudo bigode diminui-lhe o campo de visão... mas eu transcrevo-lhe o parágrafo com que o MS terminou o post:

"Não foi uma obra desinteressada? Tem páginas negras? Gerou injustiças? Correram lágrimas e sangue?
Apontem-me obra humana sem mácula, inocente, pura, perfeita!"

Talvez aqui encontre a resposta a algumas das várias interrogações que fez ao MS.

Para mim, essa do holocausto de mais de 7 milhões de indígenas é novidade! Agradeço-lhe que refira a fonte.

Não tenho números. Mas asseguro-lhe quelhe o número mortos da guerra entre o MPLA e a UNITA e entre a FRELIMO e RENAMO e nível de destruição superou o número de mortos das guerra coloniais. E não sei se não podemos incluir o número de mortos feito em todo o longo período colonial.

Já sei que, em sua opinião, a culpa disso foi do colonialismo e que a culpa do que futuramente acontecer de mau, será também do colonialismo. Este tem as costas largas! Enquanto que os africanos só serão responsáveis pelos sucessos... (que, sinceramente, espero que sejam muitos - foi por isso que durante alguns anos militei na Frelimo)

O que importava considerar é se o balanço (e quando se fala em balanço fala-se necressariamente a crédito e débito) do período colonial não foi positivo para o desenvolvimento dos africanos. Em minha opinião foi, claramente. Poderia ter sido mais positivo? Sem margens para dúvidas! Mas foi o que foi. Os portugueses deram o que tinham - o bom e o mau. E, no seu entender..., tiraram pouco - sairam pobres do período colonial e viram-se coagidos a estenter a mão à União Europeia...
Ao Manuel Sampaio a minha simpatia e a si que entenda a hitória como ela é (foi) e não como gostaria que tivesse sido e que esta, como uma moeda, tem sempre duas faces.

Anónimo disse...

7 milhões de indigenas é muito milhão.
Este pessoal, polui todos os sítios por onde passa!!!
Xô.
GED

Anónimo disse...

Esta Maria, tem um blog que aconselho visitar. Não tem é possibilidade de se deixar um comentário.
Deixo-o aqui. Talvez ela regresse e o leia.
Defende a dita snra (?) que tem que ser dado o grito do Ipiranga linguistico!!!
Não vislumbra sequer o que acontece à volta e dos países de expressão lusófona, nunca ouviu falar.
Não há pachorra.
Mas alguem vai ter que lhe explicar, senão ainda funde algum fusivel, ou mais brasileiramente: funde a cuca!