Espantoso...

Há dias, ao fim de bastante tempo fui à minha caixa de correio pessoal. Sem dar por isso tinham-se passado seis meses desde a última vez que lá fora. E fui lá porque um amigo me disse que me tinha enviado um poema para eu comentar (como se eu fosse um especialista na matéria). A caixa estava cheia de mensagens, a maior parte delas era correio promocional de diversos produtos. É o que dá comprar qualquer coisa pela net - a seguir inundam-nos de publicidade. Não encontrei o tal poema que procurava (o Henrique julga que o enviou mas não enviou nada, coisa que a mim às vezes também me acontece). Mas deparei com uma mensagem que me surpreendeu e que muito me emocionou. Quem me escrevia tinha deixado essa mesma mensagem em Janeiro no meu post "Espantoso..." de 20/Out/06. Escrevi eu nesse post que nos anos sesssenta em Angola não eram muitos os negros que frequentavam a Escola, mas os que a frequentavam faziam-no na mesma escola que a dos brancos. Todos nos sentávamos nas mesmas carteira, bebíamos água da mesma torneira e jogavámos com a mesma bola, ao contrário do que sucedia nesses mesmos anos sessenta na democratíssima América. Aí a coisa piava mais fino. Nesse post mencionava os únicos colegas negros que frequentavam o Colégio onde eu andava: o Satumbo e o Chandamissa. O Satumbo sei que continua em Angola e já tive o prazer de o "ver", já, naturalmente, com menos cabelo e mais entradas, numa foto com um outro amigo de então, o "Garoupas". Quanto ao Chandamissa, colega de carteira, infelizmente apenas sabia que morrera na guerra que se seguiu à descolonização e que opôs o MPLA e a UNITA.

A mensagem que muito me tocou dizia o seguinte:

"Quando lia o blog algo despertou-me a atenção, o nome "Chandamissa". Se estava a referir-se ao Serafim Chandamissa, este é o meu pai. Gostava imenso de trocar algumas impressões - Delman Chandamissa".

Já não me lembrava muito bem qual era o nome próprio do Chandamissa. Não parece, mas já se passaram 4o anos! Mas só podia ser ele. Senti emoção nas palavras do Chandamissa filho. Praguejei contra este mau hábito de não consultar diariamente a minha caixa de correio. Tive receio, dado o que tempo que já se passara, que o tm que o Delman me dera já não "funcionasse" e, acima de tudo, tive receio que o Delman pudesse pensar que eu não não tivesse ligado nenhuma à mensagem que me deixara. Peguei de imediato no tm e liguei-lhe. Estava ocupado. Insisti. Por fim falei com ele. Chegámos rapidamente à conclusão que o Chandamissa, meu colega, era, efectivamente, o pai dele. Serafim Lara Chandamissa. Contou-me que não chegara a conhecer o pai. O pai foi preso em 1979 pelo MPLA e nunca mais a família soube dele. A família não tem dúvidas nenhumas de que foi morto mas nunca lhe entregaram o corpo. Nunca. Naquele ano, no rescaldo do Golpe do 27 de Maio desapareceram, assim, centenas de pessoas. Diz-me o Delman que tudo o que cheirava a intelectual era ceifado. Eu sei que foi assim.
O Delman vive na margem Sul. Está no último ano de Gestão Informática na Lusófona. Ainda pensei que fosse bolseiro de Angola. Não. Trabalha e estuda. Gostei muito de saber. E gostei muito de falar com ele. Pareceu-me uma pessoa afável como, aliás, era o pai dele, embora marcado pelos acontecimentos e muito empenhado em valorizar-se. Combinámos um copo para um dia destes.
Convidei-o a estar presente no próximo Encontro dos Antigos Estudantes do Cubal. Disse-me que tinha o maior prazer em conhecer os colegas do pai. E nós teremos a maior a maior alegria em conhecer o fillho do Chandamissa. Vamos esperar pelo Encontro.