A diferença não está só na cor das gravatas...

 
 
Ontem, ao ver a triste exibição, embora empenhada, deste meu actual Benfica diante do nosso eterno rival, lembrei-me de uma expressão da minha saudosa e arguta professora de muitos anos – D. Cecília. Quando se apercebia – e como lhe era tão fácil dar conta! – que um aluno se apresentava com uma qualquer “matéria” mal alinhavada, estudada por alto, decorada, mas mal assimilada, atirava-lhe de imediato: “tens tudo isso colado com cuspe”. Ora, assim me parecem os processos de jogo do Benfica de Rui Vitória. Colados com cuspe. Mal assimilados. Mal trabalhados. A olho nu, vê-se que ali não há consistência, não há organização táctica e não há uma “ideia de jogo”. Tanto está no jogo bem, como logo a seguir desparece por completo. A qualidade do jogo, quando a há,  não emerge do trabalho que se fez durante a semana, mas da inspiração e do entendimento que dois ou três jogadores possam em dado momento do jogo ter ou não ter. Isso é nítido. A equipa está mal trabalhada. Na semana passada, melhor do que ninguém, e sem, de certeza, o querer,  Jardel, ao jornal “A Bola” , resumia assim o que acabei de dizer: «Rui Vitória deixa-nos muito mais à vontade». E os jogadores, gratos, vá lá, pagam esse estarem "à vontade" com empenho que, sem dúvida, têm mostrado. Mas tão só. Pois é. Estão vontadinha e entregues à inspiração de cada um. Há uma exasperante falta de liderança. Por uma simples razão: Rui Vitória não é um líder. Ponto.

Imaginem que as declarações que a seguir vou transcrever não teriam sido ditas por quem provocatóriamente as proferiu –  e que causaram grande celeuma –  mas que teriam sido enunciadas por um dos muitos comentadores desportivos: «Com o tempo as rotinas vão acabando. O cérebro daquilo não está lá, o treino não é o mesmo…». Desde logo, não teriam causado polémica nenhuma porque não configuravam um auto-elogio arrogante, a que nós, portugueses, somos avessos e que só o desculpamos em José Mourinho (enquanto ganhar...). O que é que ressaltava hoje daquelas palavras? Que tinham sido uma antevisão premonitória e certeira do que é hoje o Benfica. Na altura, provocatoriamente e com uma arrogância que não lhe concedemos, Jorge Jesus estava a ficcionar o filme do que se iria passar com o Benfica sem ele. Agora estamos a ver o filme transporto para a realidade. E é um pesadelo.
Jorge Jesus acertou em cheio. Na "mouche". E, assim, sem o "cérebro", vão três: a Supertaça, a Taça de Portugal e três na Luz... É o tri. Não o que queríamos, mas o que não desejávamos...

Dizem algumas vozes que falta talento e soluções ao Benfica. Que perdeu qualidade. Que Filipe Vieira não deu ao Rui Vitória o que magnanicamente  ofereceu ao Jorge Jesus. Que o Sporting, e essa é a grande diferença para o Benfica, possui um bom e forte meio-campo. E dizem-no como se o presidente do Sporting tivesse adquirido no início da época um novo meio-campo e oferecido a Jorge Jesus. Dizem essas mesmas vozes que o problema do Benfica está, ao contrário do rival, exactamente no meio-campo. Qua falta alguém, um “play-maker”, ali no miolo. Mas repare-se: o meio-campo do Sporting (Adrien, William e João Mário e todos com origem na formação...)  já lá estava no ano passado! Não há ninguém novo!  Quanto ao Benfica, qual era o meio-campo no anao passado? Samaris, Talisca e Pizzi.  Por onde é que andam? Não é que estão lá todos, todos! Qual é então a grande diferença entre o miolo do Benfica, hoje, e o miolo do Sporting, hoje? A grande diferença –   julgo que estará na cabeça de todos (daqueles que não se recusam a ver) –  chama-se Jorge Jesus,  o “cérebro”! Esse mesmo que, sabendo bem o que vale, narcisicamente, assim se autointitulou. Esse mesmo que, expressando-se nem sempre em bom português, passa magistralmente a mensagem. que pretende. Mobiliza jogadores e adeptos. Dá corpo e alma às equipas que orienta. Esse mesmo, que é um líder nato, um incansável profissional e que, reconheçamos com a humildade que nele mingua, percebe “montes” de futebol. Esse mesmo de quem os comentadores  e "intelectuais" do futebol não gostam. Esse mesmo que o Benfica amadureceu ao longo de seis anos para... o oferecer de bandeja (qual passe!) ao Sporting!

E é isto que me dói.

 

Paris

Não percebo, sinceramente não percebo, que diante de um acto terrorismo desta envergadura, mesmo antes de se dar corpo à indignação, senão mesmo à revolta, que este acto ignóbil exige, a primeira preocupação de muita gente seja a de manifestar receio pela eventual suspensão do acordo de Schengen, suspensão que aliás o próprio acordo prevê em situações idênticas a esta, e que seria sempre um mal menor face ao mal maior que é o terrorismo islamita, e pelo receio de se gerarem certas pulsões islamofóbicas. Receios, aliás, que se têm mostrado injustificados, como  se  viu pela "reacção" ao ataque terrorista ao Hebdo, mas, receios e medos, com que os terroristas jogam e exploram com mestria e vão, assim, avançando, avançando, avançando.

É preciso assumir definitivamente que estamos numa guerra -- que nos foi abertamente declarada -- contra a civilização das luzes e da liberdade que é a nossa, a Ocidental (que também teve as suas trevas, é bom lembrar e reconhecer). Mas é preciso assumi-la (a guerra e civilização) sem medos e sem vergonha (Glucksmann). E uma guerra não se ganha apenas com sistemas e preocupações de índole securitária, a dada altura é preciso passar à ofensiva. É este o momento. Não se pode esperar paulatinamente pelo próximo atentado. Mais, nesta guerra tem que se exigir ao Islão moderado, se o é, que mostre de que lado é que está. É muito estranho que face aos sucessivos e monstruosos atentados o Islão moderado continue em silêncio. É estranho, muito estranho, que face a tudo isto não venham em massa para a rua gritar bem alto e de uma forma autêntica, que estes actos terroristas  atentam contra a humanidade e contra o seu Islão. Mas quando alguém ofende o profeta, por palavras ou caricaturas, já sabem vir para rua em massa, queimar bandeiras e mostrar a sua raiva e o seu ódio infinito. É estranho. Muito estranho.

Estou revoltado. Muito revoltado. Com tudo isto e com a passividade de um certa intelectualidade europeia, quer de esquerda, quer de direita, que, perante os ataques criminosos à sua (e à nossa) liberdade por parte do terrorismo islâmico se agacham refugiando-se no silêncio ou, quando falam é apenas para se manifestarem receosos de um eventual islamofobismo. Mas são os mesmos que ao mais pequeno gesto ou tique da Igreja Católica menos consentâneo com a LIBERDADE, que logo colocam em maiúsculas, saltam como heróicos e fogosos combatentes da liberdade supostamente em causa. Estou revoltado. Muito. Mas sereno.

11 de Novembro

A propósito da independência de Angola, deixei no "Duas ou três Coisas", blog de Francisco Seixas da Costa, que foi embaixador em Angola durante os anos de 82 a 86, e mais tarde no Brasil e em Paris, o seguinte comentário:

Estava lá nessa noite. Em Luanda. Eu e o meu grupo de amigos, estudantes universitários, todos afectos ao MPLA, decidimos não estar presentes no local da cerimónia, na recém-denominada praça 1º de Maio, por razões de segurança, como, aliás, o fez a esmagadora maioria da população de Luanda que em casa ficou. Não era para menos: a cerca de 30 quilómetros de Luanda, em Kifandongo, travava-se a mais dura das batalhas entre o exército do MPLA (as FAPLA), apoiadas pelo exército cubano, e a FNLA de Holden Roberto alimentada pelo exército da república do Zaire. Ouvia-se em Luanda a artilharia pesada. Não se sabia qual o epílogo dessa batalha. Temia-se que o tenebroso Holden Roberto pudesse entrar em Luanda. A chacina seria grande. O medo era justificado. Esse temor levou a que a população ficasse em casa. Eu incluído. Hoje, lamento não ter assistido a esse momento histórico. Mas é, hoje, um momento histórico que não comemoro.
Comentário do Embaixador: “É minha impressão ou nestes anteriores comentários há muito saudosismo, muito "Africa adeus"?”

Eis o que foi a minha resposta:

Caro embaixador,

Uma coisa é   para quem nasceu ou se conheceu em África, como eu que fui para lá com dois anos de idade, e que lá viveu durante muitos anos (regressei em 77) –  ter saudades desses tempos que eram, sem qualquer dúvida, “tempos coloniais”, outra coisa é ter saudades do colonialismo. São coisas bem distintas. Haverá alguns que as terão, não o nego. Mas em muitos destes comentários, ajuízo eu, há mais saudades dos “tempos colonias” do que do colonialismo. E é natural que assim seja. Em África ficou lá a nossa meninice, a nossa infância, as fisgas e as árvores onde caçávamos os passrinhos, os rios onde nos banhávamos  e pescávamos. Ficaram lá os morros de salalé, os imbondeiros. Ficou lá o cheiro à terra que emergia depois da chuva. Ficaram lá todas estas memórias. E todos, incluindo os colonos, têm o direito à sua memória e à nostalgia que ela inevitavelmente, envolve. Ficaram lá também, enterrados, os nossos mortos –  é bom não esquecer –  avós, pais, tios, esposas e filhos.  Para além de toda esta memória que por lá ficou sepultada –  e que não é fácil revisitá-la: não se vai a África com a mesma facilidade com que se vai a Trá-os-Montes matar saudades –    em muitos deles permanecerá ainda uma réstia de grande amargura porque viveram e sofreram esses tempos, que a tragédia da descolonização desordenada foi”, como bem refer o embaixador.

Melo Antunes foi, dos militares de Abril, o mais corajoso. Fez o 25 de Abril. Fez o 25 de Novembro e nesse mesmo dia teve a coragem de matar à nascença uma “caça às bruxas” que se adivinhava, ao afirmar que não haveria de democracia se o PCP fosse dela excluído (e hoje, por razões óbvias, é bom recordá-lo). E já no fim da vida, ao contrário de outros, que juntamente com ele tiveram papel preponderante na descolonização, teve a coragem de reconhecer que poderiam ter feito melhor descolonização. É a humildade dos grandes.

Subscrevo inteiramente este seu último “post”, excluindo um “senão”, mas da maior importância: “a tragédia que foi a colonização”. Reduzir a colonização a uma tragédia é um grande erro de perspectiva histórica: o Brasil é o que é hoje, cultural e lusófonamente falando, “graças” à colonização. Sem ela o Brasil até poderia ser bem melhor, mais evoluído, mas não seria a mesma coisa… você que o diga. As suas fronteiras são o que são hoje, “graças” à colonização. Hoje, os brasileiros orgulham-se delas e, se for preciso, bater-se-ão por elas, mas antes foram os colonos que as desenharam, que as defenderam e que morreram por elas. A grandeza territorial do Brasil de que os brasileiros se ufanam foi conquistada, construída e defendida com o sangue dos colonos portugueses. O mesmo se passa com as fronteiras de Angola e com as dos outros países (excepto Cabo Verde). Se hoje há cerca de 280 milhões de falantes em português, e é uma das línguas mais faladas no mundo, “graças” à colonização. Hoje fala-se em lusofonia, com a qual muita gente “enche a boca”, “graças” à colonização e…, vou ousar dizê-lo sem pejo nenhum por ser historicamente verdade, graças aos colonos! Graças aos colonos! Se se debita, e bem, aos colonos as tragédias da colonização, que as houve e muitas, é inteiramente justo creditar-lhes algumas das suas boas e belas heranças.

“Pode-se ir à Índia sem Vasco da Gama? Talvez possa, mas para um português, não se deve. Não digo tanto “sem Vasco da Gama”, mas “sem Goa”, sem a memória da nossa identidade que lá ficou um pouco enterrada e está a cair aos bocados. Mas mesmo que já estivesse toda no chão, enterrada por desprezos diversos, o lugar está lá, as almas estão lá num canto qualquer a assombrar-nos. A história é assim: não se pode ir à Índia com inocência absoluta, nem aliás os indianos nos responderão com inocência. A história pesa. Não é saudosismo, é respeito por nós próprios que fomos feitos por aqueles homens que por lá andaram à espadeirada, à pimenta, na pirataria, brutos, cruéis, gananciosos, vaidosos, crentes, santos, líricos, o que se queira, mas nossos. Palavras escritas por Pacheco Pereira, a propósito de uma viagem de um presidente da República à India… (em Abrupto 12/01/07)