Cemitério de Pianos: um livro a não perder



Acabei há dias de ler o Cemitério de Pianos. Há livros que leio de um fôlego. Este não. Este saboreei-o, página a página, frase a frase. Tive dificuldades em chegar ao fim. Por duas razões: frequentemente lia e mal acabava de ler, voltava a ler de novo (não para perceber o sentido do texto como me acontece, confesso, com alguns dos nossos consagrados não é preciso dizer quais) mas para sentir de novo o prazer que a leitura daquela passagem, inúmeras passagens me dera. Lia e voltava a ler para me deter na luz que quotidianamente entrava  pelas janelas e iluminava os pontículos suspensos de poeira ou a claridade que se espelhava nos rostos dos personagens sem estes se darem conta. Outras vezes hesitava em avançar com receio de não encontrar imagens tão bonitas como aquelas que acabava de ler. Como esta:
"A minha mulher passa. Não repara na agitação inivisível e luminosa de notas de piano que deixa à sua passagem. Leve, passa com as mangas arregaçadas até aos cotovelos. Sem reparar, leva a claridade da manhã no rosto. Entra no corredor. ..."
ou esta:
"Ela tinha os cabelos apanhados num laço, era uma menina e, no seu rosto, havia qualquer milagre: pureza: que eu não sabia descrever. Os olhos grandes: o céu. Se estivesse suficientemente perto, acredito que poderia ter visto passáros a planarem dentros dos seu olhos, seria um mês da primavera dentro dos seus olhos: infinito. Ela era uma menina frágil e meu olhar pousava com cuidado na pele do seu pescoço, nos ombros sob o vestido de flores que trazia."
A história, adiantou o autor na apresentação do livro, tem dois narradores (?), com o mesmo nome: o avô e o neto de Francisco (Lázaro), carpinteiro e maratonista que morreu em plena maratona nos jogos olímpicos de 1912 em Estocolmo (untara o corpo de sebo para se proteger das câimbras e da fadiga – o que lhe foi fatal) . Desde o ínicio do livro e este é um dos lados interessantes do livro procuramos saber qual das vozes é que fala e em que tempo –  se de um de outro –  é que as coisas acontecem. Mas a dada altura é tal a dificuldade em estabelecer quem é que está a narrar que decidimos entregarmo-nos apenas ao prazer da leitura que, no meu caso, foi muito. Muito.

1 comentário:

Anónimo disse...

Curiosamente, já passei várias vezes por ele nas minhas visitas regulares à Bertrand.
Nunca tive impulso de comprar.
Claro que agora estou curioso.
Um abraço
GED