Eram claros os dias

Os dias eram claros. Claros. Parecia-me que nunca tinham tido uma claridade assim. Abria uma janela e a luz inundava de luz todos objectos. Fechava-a e a luz teimava, teimava, e entrava pelas frestas mais estreitas. Tudo era luz. Luz. E quando anoitecia, o sol não desaparecia do céu. Ficava ao lado da lua. Continuava a iluminar a noite. Eram bonitos aqueles dias. Eram bonitas aquelas noites. O sol ao lado da lua. A lua ao lado do sol. O sol namorava a lua. A lua não sabia. Não sabia que o sol a namorava. Fingia que não sabia. A lua sorria. Sorria. O sol sorria. A lua falava, falava, o sol ouvia. Falavam muito. E quando acabava a noite e começava o dia, a lua continuava ao lado sol. Um dia o sol, inesperadamente, encheu-se de coragem e disse à lua que gostava da dela (quem é que não gosta da lua?). O sol não viu o rosto da lua a sorrir quando naquele dia e naquele momento lhe disse que gostava dela, mas tem uma certeza: a lua sorriu. A lua sorriu de certeza. A lua sabia há muito que sol gostava dela. E assim continuaram os dias: o sol a namorar a lua. A lua a fingir que não sabia. O sol a tocar a lua com os olhos. Os olhos do sol a tocarem a lua. Os olhos do sol a tocarem os cabelos da lua. A lua a fingir que não sentia. Assim continuaram os dias. Claros. Claros. Um dia na brincadeira, já a tarde entardecia, a lua perguntou ao sol se ele, sol, era capaz de a pedir em casamento. O sol riu-se. A lua riu-se. Riram-se os dois. O sol respondeu à lua: em casamento não. Os dois riram-se. Em casamento não, repetiu o sol. Riram-se os dois. Lia-se na cara do sol que o sol queria dizer algo mais. Encheu-se outra vez de coragem (o sol nunca fora muito corajoso com a lua) e atirou-lhe: em csamento não, mas em namoro sim. Riram-se os dois. Os dois riram-se. A lua quis saber por que é que o sol não seria capaz de a pedir em casamento e já era capaz de lhe pedir namoro. Mas o dia, que começara a nascer do outro lado da terra, puxava o sol para debaixo da linha do horizonte. Puxava. Puxava. O sol já não tinha tempo para se explicar. Apressadamente, a correr, despediu-se da lua: «Beijos. Até amanhã». Disse a correr. Mal imaginava o sol o que ia acontecer.
Continua (um dias destes ou um dia)

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