Barack Obama, Mariza e os ventos...

Ainda não percebi porque é que Obama é apontado como o primeiro candidato negro na história dos EUA. Não percebo. Estou farto de reflectir nesta questão e continuo a não entender. Se considerarmos que é de origem negra, efectivamente é o primeiro. A questão é, exactamente, esta. Por que é que consideram Barack Obama negro? Por ser não branco?! Todos os que não são brancos, são, então, negros?! – do meu ponto de vista, não descortino conceito mais racista do que este – Por ser filho de pai negro!? Bom, se o fundamento para o considerar como primeiro candidato negro na história dos EUA é este indesmentível dado genético – ser filho de um negro – então, eu, usando o mesmo critério, fundamento-me num outro factor genético igualmente indesmentível – ser filho de uma branca – para considerá-lo como mais um candidato branco!

Barack Obama, esta é que é a verdade, tem tanto de negro como de branco. Ou será que, agora , um factor genético (desta vez, o negro) voltou a valer mais do que o outro? Há factores genéticos de primeira e outros de segunda!? Reformulo a pergunta dando-lhe maior exactidão histórica: ainda há (dantes havia) factores genéticos de primeira e outros de segunda? O do lado do pai por ser negro é um factor de primeira e o lado da mãe por ser branca é um factor de segunda? Ingenuidade a minha... Eu julgava que o século XXI tinha acabado de vez com esta classificação. Afinal não. Virou-a apenas ao contrário. Deu-lhe uma volta de cento e oitenta graus: o que era antigamente considerado um factor de primeira – a origem branca (contra o qual Luther King e muitos outros lutaram e sacrificaram a vida), passou, agora, a ser considerado (sem que ninguém questione) um factor de segunda. O que era considerado de segunda passou a ser de primeira. São os ventos…

Argumentar-se-á que se exalta o factor genético negro por o candidato viver numa sociedade maioritariamente branca. Não é consistente este argumento. Proponho então este exercício simples: Imagine-se o mesmo Barack Obama, resultado do cruzamento dos mesmíssimos factores genéticos (branco e negro), mas como candidato, por exemolo, à presidência da República do Quénia – sociedade maioritariamente negra. Alguém exaltaria, chamando a atenção para o ineditismo histórico, o factor genético branco (que também o tem) para o apontar como o primeiro candidato branco à presidência de uma república maioritariamente negra? Ele, candidato, aceitaria, em busca de votos para sua eleição, que fosse invocada a sua origem branca? Estou seguro que a esconderia!

Há semanas, já em campanha, o senador foi ao Quénia visitar a terra natal do pai. Encontrou-se com uma sua avó. Foi um gesto bonito e comovente. Foi um regresso muito aplaudido às suas origens negras. Alguém imagina o mesmo Barack Obama candidato à presidência da República do Quénia, a fazer uma viagem até Wichita (Kansas), terra natal de sua mãe, e visitar, no momento particularmente importante da sua vida, os seus antepassados brancos? Esse regresso às suas origens brancas seria igualmente aplaudido? A imprensa consideraria esse gesto igualmente bonito e comovente? Tenho largas dúvidas. Mas se o fizesse daria, não tenho dúvidas, uma forte machadada no preconceito racial

A verdade é outra. Ter "origem negra" está na moda. Hoje quem tem um ascendência negra ainda que remota não se esquece de a invocar. A Simone de Oliveira já (se) lembrou que tinha uma bisavó negra. A Mariza não se cansa, agora, de invocar esse lado africano. Chegamos a um ponto no mínimo curioso: se alguém, negro ou com origens negras (ainda que remotas), disser que tem orgulho nas suas origens,  soa-nos bem. Vêmo-lo como alguém que não renega as suas origens. E se esse alguém for artista, a imprensa e a crítica, com afã desmedido,  começa célere a “descobrir” subtis influências – que até aí não tinham sido detectadas – dessas origens na arte da pessoa em questão. Porém, se alguém assumisse (o imperfeito de conjuntivo não é inocente…) ter orgulho nas suas origens brancas, soar-nos-ia (a mim também..., a sério, tal é a força do novo preconceito!) a uma insuportável afirmação de pendor racista. E se esse alguém fosse uma figura pública, para além de cair o Carmo e a Trindade, os blokistas e outros afins, como cães a um osso, jamais o largariam. São os ventos…

Dito isto, direi que se fosse eleitor democrata nas primárias votaria na Hilary… Já estou a ouvir a alguns comentários surdos do género “cá está… gato escondido com rabo de fora... no fundo este tipo é um racista!”. A precipitação nunca foi boa conselheira, meus caros. Se fosse eleitor americano entre o Barack Obama e o Cain votaria no... Barack Obama!

2 comentários:

GED disse...

O meu amigo Manel, é um brilhante malabarista das palavras!
Este artigo é muito bom e, à primeira vista toda a gente concordará com estas "verdades". É verdade que citar Luther King também ajuda.
No entanto eu não estou totalmente de acordo.
Há apenas um pequeno pormenor que muda tudo: numa América que se libertou há menos de 50 anos, do conceito de racismo, ter um candidato parcialmente branco ou negro, é do meu ponto de vista um enorme avanço em termos de nação.
Se ele ganha ou não, isso são outros "quinhentos".
Um abraço
Henrique

msampayo disse...

Como malabarista... passo por cima do "brilhante malabarista"... O ponto fundamental é a de explicar por que é que hoje um miscigenado (gostava muito mais da palavra mulato e... das "mulatas de Benguela" mais ainda!), seja na América ou na Europa, se pode orgulhar da sua origem negra (mesmo que seja remota) e já não o pode fazer em relação à sua origem branca? E esta questão Henrique, no fundo, não tem nada a ver com raças e com as lutas raciais do século passado. Repara que é, psicológica e socialmente, exactamente igual a uma outra: por que é hoje um homossexual pode orgulhar-se da sua tendência sexual e um heterosexual, como tu e eu, se o fizermos soa a um insuportável machismo ou, no mínimo, a um antiquado marialvismo (e este com a carga ainda mais negativa de ser tipicamente português ou, mais negativamete ainda..., portuga). Tudo isto tem mais a ver com a natureza humana que tem mudado ao longo destes anos muito menos do que às vezes julgamos. Quanto a um mulato ou um negro ganhar umas presidenciais americanas não serão necessários "quinhentos" anos (aliás, eu penso que não foram estes "quinhentos" anos que impediram a eleição de um negro. Não fossem estes "quinhentos" anos não havia negros nos E.U.A.... ou estavam agora a chegar). Pode acontecer já este ano. Acredito.
Um grande abraço