Uma história ( parte II )

.... Era algo de estranho. Algo que não sabia explicar. Um mistério que apesar de muito nele cismar, não lograva decifrar.

Ao fundo do quintal da casa onde vivia, junto a uma papaieira que se erguia, esguia e altiva, para o céu, permanecia já há alguns anos, no meio de muita tralha que por lá havia, um velho tambor de gasolina, vazio, enferrujado e que há muito deixara de ter qualquer serventia a não ser a de o velho cozinheiro lá de casa – o Miápia – nele se empoleirar, e com uma vara bifurcada numa das pontas colher as deliciosas papaias antes que elas viessem a sucumbir de maduras à lei inexorável da gravidade e se esborrachassem inevitavelmente no chão.


Cada vez que o pequeno Edmundo – constatava ele – acertava no enferrujado e vazio tambor com um pedra ou mesmo quando o percutia com o nó dos seus pequenos e inábeis dedos ou com qualquer outra coisa que fortuitamente tivesse à mão, o som que se fazia ouvir – uma toada que se prolongava por alguns segundos até se esvair, como se de um crepúsculo se tratasse – tinha, sem saber porquê, e era essa a pergunta que há muito o consumia, o misterioso dom de o transportar para a longínqua aldeia onde, poucos anos, antes nascera. Naquele instante sentia-se apresado por um estranho estado de alma, vago e nebuloso que teria sérias dificuldades em o caracterizar se alguém o interpelasse. Melancolia? Nostalgia? Saudade? Eram vocábulos dos quais não conhecia ainda a verdadeira significação. Mas fosse o que fosse, o certo é que aquele suave emaranhado de sentimentos o deixava tão consolado e tão acalentado, que era como se regressasse por felizes momentos ao útero materno. E... apetecia-lhe fazer ecoar de novo o tambor. Atirava-lhe uma outra pedrinha e… mal soava a mágica toada, aquela bruma de sensações, enevoada e amena, voltava a envolvê-lo e, estranhamente, a aconchegá-lo. E regressava de novo a aldeia… – Vilar dos Vinhedos, uma aldeia de Trás-os-Montes.

Nada visualizava, porém. Nem a casa onde nascera, nem as grandes lajes romanas que faziam o caminho de sua casa ao Largo do Adro, nem as tílias que tarjavam a Igreja oitocentista onde fora baptizado. Nada visualizava. E de nada se lembrava. Não tinha a mais ténue recordação daquele lugar que lhe assaltava a memória mal ecoava aquela mágica melodia.
Naturalmente que nenhuma imagem, por mais esbatida que fosse, ficara gravada na sua lembrança: a mãe, ele e a irmã de colo, tinham deixado os vinhedos, os quelhos, o largo do Adro, as lajes romanas, o Senhor da Capelinha, nos idos de Abril de 1953, apenas três meses depois de cumprir o seu segundo aniversário!

Embarcaram num dia chuvoso, em Lisboa, no paquete "Mouzinho" da Companhia Colonial de Navegação que fazia a sua derradeira viagem pela costa da Àfrica Ocidental Portuguesa, com destino ao Lobito



Comtinua... se calhar...

3 comentários:

Anónimo disse...

Estou muito curioso para ver o desenrolar disto.
Até agora gostei muito.
Um abraço.
HF

Anónimo disse...

Gosto da tua alma e da tua escrita.
Espero por mais, atentamente.

C. Cardoso disse...

Somos muitos os que gostamos de te ler e ouvir. Continua
Canduxa