Ciranda o sol
De nascente a poente
De poente a nascente
Arco perfeito de um magoado violino
Ciranda lenta e em descrente procissão
Como se fora um solitário peregrino
Não procura a lua
(o poeta é um fingidor...)
Procura a nua
Verdade das palavras por dizer
(Ó mar! Ó mar! Ó longínquo luar!)
Ciranda o sol
De nascente a poente
De poente a nascente
Arco perfeito de um magoado violino
Não procura a lua
Procura a rua
Onde ela, luar desfeito, aos Domingos vai rezar
Nem sinal da cruz...
Nem sinal de luz...
Senhora da Guia 4/5/08
Luminosidades
Eram claros os dias
Escrevi até ao princípio da manha aparecer na janela. (.......................). O sol a chegar à escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas páginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lábios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silêncio. E, quando, me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhá-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de escrever e, de cada vez que repetia o exercício, conseguia escrever duas palavras ou, numa máximo uma frase. Quando a manhã apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama, adormeci a olhá-la. Adormeci com ela dentro de mim."
Bela... e serena como a brisa calma
Que amena atravessa a cidade
Rio... rio leito de claridade
Que meigo corre entre as pedras de minha alma.
Vento que sopra, brando, a vela da minha barca
Rumor... rumor de madrugada
Cântico que os pássaros rumorejam
Murmúrio antigo de uma ária inacabada
Lisboa 21/3/08
Luminosidades
Palvras reescritas (em jeito de poema)
E isso que importa?
continuas bonita e luminosa
como aquele raiozinho de sol
que todos os dias bate na vidraça da minha janela
Bonita e luminosa
como naqueles dias distantes de convívio
(tão distantes e tão indelevelmente presentes)
E isso é que importa!
Escuta…
Vou segredar-te uma coisa.
Com serenidade.
Com a mesma serenidade com que aquele raiozinho de sol
ao cair da tarde abandona a vidraça da minha janela.
Uma coisa que não é coisa.
Que não sendo coisa
é mais, muito mais, que coisa
É coisa de alma
(etéreo aroma)
que há muito sinto
e que juro, juro, não minto
Gosto de ti.
Minha roma.
(e tu sabias)
Lisboa 27/2/08 e 19/3/08
Viagens e memórias...
A Noite de Reveillon
2008
Foi esta a mensagem que enviei aos meus amigos no últino dia do ano passado. Aqui fica registada.
Marcas indeléveis (do Império...) - 12

Não sei se devia terminar a legenda com reticências ou com um ou mais pontos de exclamação. Juraria, no entanto, que quem acompanhe a série da RTP "guerra colonial" do Joaquim Furtado, (e não tenha estado em Angola nesses anos), perante esta foto ( e outras como a de baixo) optaria pelos pontos de... admiração!

Luminosidades e coincidências...
Espantoso...
A mensagem que muito me tocou dizia o seguinte:
Luminosidades...
Eleições em França ...
Luminosidades...
25 de Abril...
Viva Abril! Que para ti, eu sei, é ainda uma "jornada de luta" mas que para mim é apenas evocação, memória e festa (interiores) onde entras sempre, sempre. Tu e outros amigos.»
O amigo de que falo é o meu querido amigo Hermínio.
Luminosidades...
como ontem antes de ontem,
o céu continua azul.
Continua azul, azul, azul!
Continua azul...
para lá do cinzento das nuvens
(negro, quase negro)
que cobre todo o azul, azul, do céu.
Um amigo de sempre e para sempre
O regresso das luminosidades...
Luminosidades...
A nossa escola
Luminosidades...
Pequenos pedaços de poesia (II)
Luminosidades...
Voos da Águia
O segundo holocausto

Quotidiano
Luminosidades...
que em cíclicas ondas
Recolhe-se uma taça rasa
da quente e cálida sangria,
Dissolve-se uma mão cheia
de leve, leve, melancolia.
Agita-se (com gesto e jeito de escanção).
Dá-se-lhe um cheirinho
a maresia.
Um travo de wisky
dois ou três cubos de gelo
e pronto…
Leva-se à boca
em repetidos e amenos versos,
à mistura com pianíssimas notas de Chopin
(de preferência os nocturnos 1 e 3)
Referendo
Luminosidades...
Porto - 0 Estrela do Amadora - 1
Benfica - 0 Boavista - 0
Era um dos nossos guarda-redes...

Tinha aparecido no Cubal já nos anos sessenta, vindo da Metrópole, do Puto, das berchas. (era assim que na nossa linguagem nos referíamos a Portugal). Tímido, ingénuo, mas destemido - alías, guarda-redes não podia ser de outra maneira. Quando lhe deram os kedes (hoje ténis) para calçar e jogar pela Associação Académica do Cubal, chamou-lhes – muito apropriadamente – sapatilhas. Azar dele. Ficou para sempre "o Sapatilhas". Nunca mais se livrou do nome.
Até sempre Sapatilhas. Até sempre.
Luminosidades...
O meu Cinema Paraíso
A segunda vez, anos mais tarde, já iniciado nas minhas andanças de cavaleiro marxista, recusei vê-lo. Era uma patética história de amor (pequeno-burguêsa, claro) e contra-revolucionária!
Ontem foi a terceira. A fotografia continua a esmagar-me. A história de amor é uma história de amor. Falta-lhe, pareceu-me agora, paixão, sensualidade. A música é indissociável do filme. Não podia ser outra. A Christie continua linda, linda. Fez-me lembrar a minha colega da faculdade… (revia-a há pouco tempo, continua linda!)
A leitura política que faço da película é que sofreu uma… reviravolta! E era aqui que queria chegar. Perturbou-me o filme. Perturbou-me ver como que um idealista – Pasha Strelnikoff – se transforma, em nome da revolução (sempre em nome da revolução…) num tenebroso sanguinário. Incomodou-me o filme. Incomodou-me sentir que eu, em circunstâncias idênticas, fizera, (salvaguardas as diferenças de protagonismo, claro!) o mesmo e cretino papel – o de guarda da revolução. Ainda que este se tivesse apenas quedado pelo plano ideológico. Mas a verdade é que defendera os mesmos princípios: o partido acima de tudo – família, amigos, afectos. O partido acima das pessoas. Em nome do povo. Sempre em nome do povo. Em nome das massas populares! (era assim que dizíamos). Interpelou-me o filme. Profundamente: se em 75 a revolução leninista tivesse triunfado (não esteve longe disso), até quando é que desempenharia aquele papel? Até quando? Mais. E, talvez, mais angustiante: qual era a linha que eu jamais ultrapassaria? Assustou-me perceber que quando (e enquanto) se acredita na revolução e no partido essa linha de demarcação é muito ténue. O partido toma conta do coração e apodera-se da razão. O partido passa a ser a razão de sermos. E a razão passa a ser a do partido. E é aqui, neste ponto, que se é capaz das maiores crueldades. Basta que a revolução o exija. Basta que o partido ordene.

Incomodou-me. Mas fez-me bem ver o filme. Recomendo-o aos meus amigos (e cavaleiros que foram comigo) das andanças marxistas.
Marcas indeléveis (do Império)... 4


Repare-se nas linhas arquitéctónicas. A foto é da época (1962?), mas a modernidade do edifício é actual. Actualíssima. Era aconselhável que o "ippar" de Angola iniciasse a inventariação e preservação do património respeitante ao período colonial. Estamos a falar do património de Angola. Nossas são apenas as marcas indeléveis.

"Viagens com ou sem memória" (3)
O Presidente da República mostrou-se surpreendido com os inúmeros sinais que os portugueses deixaram na Indía. Não imaginava ele que a nossa presença por aquelas terras tinha deixado marcas tão indeléveis.
O que a mim me surprende é a sua surpresa. Há uns livrinhos de História que contam tudo.
Antecipando outras viagens do Presidente da República aos novos países da lusofonia e a fim de lhe poupar novas supresas, inauguro hoje uma exposição fotográfica avulsa e ao calhas sob o tema:

"Viagens com ou sem memória" (2):

Eles, os dirigentes deste meu velho país, sabem tão bem como eu. Mas não ousam dizê-lo. Prisioneiros do que é politicamente correcto, não têm a coragem do poeta de Abril que gritava bem alto: “Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são/Se for um copo é um copo/ se for um cão é um cão”.
Isto foi parte do que, há uns anos, escrevi, talvez com excessiva emoção, a propósito da morte de um antigo professor e da morte do meu pai que então se esperava para breve.



Subscrevo:
"A morte de Saddam Hussein" de José Pacheco Pereira in Abrupto. Muito em particular o 3.º parágrafo.

O ano era 1964, em tempo de férias grandes, e o filme tinha como "artista principal" o Aznavour e nele participavam também a Silvie Vartan e o Jonny Holliday e chamava-se "À procura do Ídolo" (Cherchez L'Idole).
Foto tirada e acabada de enviar pelo Henrique. Obrigado, meu caro.
O que fazem as canções, as grandes canções...
Petição contra a implementação da TLEBS
Há dias Pedro Mexia ridicularizava assim a tlebs!

A Cozinha de Manhufe
Vou votar sim. Mas há argumentos e questões que o não levanta a que sou sensível e me fazem reflectir:
Eu enunciaria a tese desta outra maneira: Se se condena o abandono dos animais porque não sendo estes pessoas, possuem, porém, vida e, como tal, têm direito a ter direitos, entre os quais o direito à vida... Ora sendo os embriões humanos vida (o que, parece, ninguém põe em causa) deveriam usufruir dos mesmos direitos!
"Sentimentos misturados" J. Pacheco Pereira in Abrupto (1.12.06)
"Claro que ninguém vai ao teatro, claro que acabaram os cafés (pelo menos em Lisboa), claro que se desertificaram os bairros, claro que acabou a Lisboa dos anos 60, tão íntima como provinciana, onde éramos os absolutos cosmopolitas, exactamente porque os filhos dos deserdados das cheias, os filhos dos operários do Barreiro, os filhos das criadas de servir, os filhos dos emigrantes de Champigny, os filhos da "canalha" anarco-sindicalista e faquista de Alcântara mandam no consumo e o mundo que eles querem é muito diferente. Eles entraram pelos cafés dentro e transformaram-nos em snackbars e em lanchonetes, entraram pelas televisões e querem os reality shows, entraram pela "cultura" e pela política e não querem o que nós queremos, ou melhor, o que nós queríamos por eles. O acesso das "massas" ao consumo material e "espiritual" faz o mundo de hoje, aquele que é dominado pela publicidade, pelo marketing, pelas audiências, pelas sondagens. É um mundo infinitamente mais democrático, mas menos "cultural" no sentido antigo, quando a elite, que éramos nós, decidia em questões de bom senso e bom gosto. E agora? Queríamos que "eles" tivessem voz e agora que a têm não gostamos de os ouvir quando o enriquecimento revelado por todos os indicadores económicos e sociais dos últimos 30 anos transformou muitos pobres na actual classe média, "baixa" como se diz na publicidade, nos grupos B e C das audiências. Nós queríamos que eles desejassem Shakespeare e eles querem a Floribella, os Morangos e o Paulo Coelho. E depois? Ou ficamos revoltados ou pedagogos tristes e ineficazes, ou uma mistura das duas coisas. Nós ajudámos a fazer este mundo de mais liberdade e mais democracia, que o é de facto. O 25 de Abril foi o que foi porque a geração de 60 o fez assim. Se os militares tivessem derrubado Salazar nos anos 40 ou Delgado o tivesse feito em 1958, o país seria certamente muito diferente."
Quem dera
Nas tuas mãos, entre os dedos,
Pousar os meus segredos
Quem dera
No teu leito, nos teus seios
(despidos)
Adormecer os meus receios
Quem dera
Nos teus olhos
(verdes olhos)
Cabelos castanhos aos folhos
Alagar a minha melancolia
Em ondas soltas de maresia
Quem dera
Na tua pele
(vestida de mel)
Adoçar os amargos da minha boca
Que é tão leda
Que é tão louca
Quem dera, meu amor, quem dera
Insinuando o pequeno e leve gesto de os beijar, cruzo os dedos indicadores, e, solenemente, como nos tempos de puto, juro. Juro com Deus: Esta que vou contar não se passou comigo. Juro! Juro com Deus! Com a mesma solenidade, asseguro-vos não desvendar quem foi o herói desta história. Melhor: Juro! Juro mesmo! Com Deus!
Direi apenas que era, na época, um rapaz acanhado, de poucas falas. O rubor traía-o com alguma frequência. Hoje, homem maduro, não perdeu ainda a timidez. Essas coisas, aliás, nunca se perdem totalmente. Mas soube sempre domá-la.Não me lembro ao certo que ano corria por aquela altura. Certo, certo, é que o terrorismo já tinha rebentado. O boato que dava como iminente a entrada dos turras por ali adentro e que ficou célebre, se a memória me não prega das suas, ocorrera já há dois ou três anos. Tanto que a antiga Escola Primária já se tinha transformado no quartel que veio acolher o Destacamento Militar. A 4ª Classe estava, pois, acabada – já tinha feito provas que sabia de cor e salteado os afluentes do Rio Douro e do Tejo e que conhecia, um a um, os apeadeiros da Linha da Beira Alta e da Beira Baixa! O nosso herói também. Andávamos ambos pelos 12 ou 13 anos. Não mais ou pouco mais. Já tinhamos dado os primeiros passos no Francês e aprendido, para o resto da vida, que há sempre excepções que se esgueiram à regra (todas as palavras terminadas em age, com excepção de... e seguia-se a lenga-lenga).
Os tropas do dito aquartelamento lá andavam. Com pouco que fazer. A actividade resumia-se ao render da sentinela, ao hastear da bandeira e a uma ou outra parada em dias de cerimónia oficial (que terminavam, invariavelmente, com vivas inflamados ao aborígene de Santa Comba e a bem da Nação! Claro!). A guerra passava-lhes ao lado. A nós também. Afinal os turras andavam longe, pelo Norte da Província. A frente Leste não tinha, ainda, sido aberta. Fustigavam a Pedra Verde. Nambuamgongo. Nóqui.
Nomes que os anos quentes da guerra mitificaram e que inspiravam respeito. Muito respeito e à volta dos quais se fazia um silêncio que amedrontava quando eram pronunciados. Pela Rádio pouco se sabia e no Jornal nada se lia. Quando – de quando em quando – nos chegavam os ecos dos combates, através de relatos que em surdina passavam de boca em boca, sentíamos o medo que seria cair numa emboscada no seio daquele mato imenso, colossal e escuro. Quase nos parecia ouvir o barulho do capim e o tilintar das catanas inimigas e baionetas que, no início da guerra, adornavam as Mausers dos (nossos) combatentes. Eram aqueles nomes que, afinal, nos lembravam que vivíamos uma guerra que parecia, pacientemente, sem pressas, esperar por cada um de nós. A nossa vez haveria de chegar! Era, talvez, a única certeza!
Enquanto tardava essa hora que julgávamos fatal, a Rua era a nossa (na)morada dilecta e o Sol um companheiro que nunca nos abandonava. Mesmo quando o dia já cansado, inevitavelmente, se vestia de negro, adormecíamos com a certeza que logo pela manhã, ao romper do dia, lá estaria de novo aquele companheiro quente e luminoso a acordar-nos pelas frestas da janela.
Fora de casa é que estávamos bem. Jogávamos à bola no Parque da Vila – palco de tantas aprendizagens – com pontapés que levavam muitas vezes, para nosso desalento, a borrachinha em voo sem regresso sobre o muro e as mangueiras do quintal do velhote Lemos. Trepávamos as buganvílias e as árvores que serpenteavam a Rua de Trás, onde as (mães) pretas montavam banca e vendiam os inigualáveis doces de jinguba. Rodávamos filmes de Cowboys e Indíos, dirigidos com mestria e imaginação pelo Zé Lemos (qual Spielberg!). Fugíamos para o Rio e para a Lagoa do John. Construíamos e afundávamos jangadas de bananeiras.

Uns com fisgas e os mais afortunados com pressões d’ar, íamos, em chusma, à caça das rolas e dos siripipis para os lados do Forno da Cal e da Cerâmica. Pelo caminho ruminávamos (como gostava de dizer a Cecília) chuíngamos adquiridos na loja do velho Falcão ou, em tempos ainda mais idos, no bar do velho Fraga. Intercala(pá)vamos um p no me(p)eio de cada pa(pa)lavra qua(pa)ndo não quer(ep)íamos se(pe)r entendi(pi)dos.
Subíamos aos Filtros da Água e na volta jogávamos matraquilhos no Chipútia (Matraquilhos! O único desporto em que atingi alguma notoriedade! Bola nos três era golo pela certa!)
Coleccionámos cromos que comprávamos na Loja do Ambrósio e gozávamos com as encantadoras (!) e inefáveis sobrinhas.
Nos intervalos das nossas aventuras, quando estávamos já a tinir e a guita não chegava para um Nilos ou um Delta, fumávamos com a mesma avidez um chiquinho ou mesmo uma biúla esquecida num cinzeiro qualquer e combinávamos novas fugas, novas aventuras. E quando, de quando em quando, nada havia para fazer, provocávamos com alguma crueldade os boleiros e sorveteiros que a mãe dos “Penas” tinha ao seu serviço – vítimas, às vezes, do nosso ócio.
Soltos e cheios de fúria dançávamos o Twist e com muito farfalho e doçura, os tangos a média luz e os números musicais mais românticos (Quando calienta el Sol naquela playa, sinto tu cuerpo vibrar...). Nas tardes de cinema, ultrapassada a vigilância atenta e implacável do Alexandrino – o eterno artista principal das suas próprias histórias – vibrávamos com as proezas dos nossos heróis – Gary Cooper, Marlon Brando, John Waine e tantos outros. Era verem-nos a incentivá-los nos momentos decisivos das lutas: Dá-lhe! Agora! Boa! Começavam, também, a despontar as primeiras fantasias com a Elisabeth Taylor, Sofia Loren...



Finalmente, as paixões, as nossas paixões – umas secretas e sublimadas, outras proibidas e algumas, poucas, correspondidas – começavam a sair da Igreja. Mais bonitas e castas do que nunca. Num gesto rápido e discreto deixavam cair o véu que lhes cobria os cabelos e que durante a missa lhes emprestava a aura de recolhimento que a ocasião e o lugar requeriam, mas que, cá fora, lhes roubava alguma sensualidade e algum esplendor. Levantavam os olhos em direcção àquela árvore (seria uma acácia?) e trocavam-se olhares cúmplices.
Os mais felizardos que já namoravam com autorização dirigiam-se, emproados e ufanos, em direcção às suas conquistas que, acompanhadas por amigas, deixavam, calculadamente, as mães adiantarem-se no caminho de regresso a casa para aprontarem o almoço melhorado de Domingo.
Era um quadro digno de uma tela romântica, mas algo insólita: o namorado de mão dada com... a motorizada ou a burra e a namorada de mão dada com... a amiga! Pôr o braço sobre o ombro ou mesmo dar a mão em público, era coisa só permitida quando o enlace fatal estivesse mais próximo e se mostrasse coisa irreversível.
E assim, sem pressa, adolescíamos. Crentes e seguros que aqueles anos jamais fariam anos.
O nosso herói, era bem mais pacato, procurava outras companhias e outras aventuras. Apesar de desbarbado e ainda imberbe, por razões que desconheço, porventura fortuitas, começou a acamaradar com um grupo de militares, chefiado pelo Alferes – comandante do Destacamento. Entrava no Quartel com o mais à vontade com que nós entrávamos na sala de jogos do Clube Ferrovia, nos dias em que o velhote Moreira estava de mau humor. Passeava de Unimog como se de um verdadeiro magala se tratasse e os magalas, esses, tomavam-no como um camarada de armas. Para onde iam, lá ia ele. Acompanhava-os para todos os lados.
Um belo dia, melhor, uma bela noite os nossos militares decidiram que deviam fazer daquela, a noite da iniciação do nosso herói – a Primeira Noite. A que jamais se esquece. A mais embaraçante de todas.
Por cima da roupa que a mãe lhe destinara para aquele dia, enfiaram-lhe um camuflado que excedia, como facilmente se imagina, em dois ou três palmos a estatura do nosso herói. Ficava-lhe enorme! Com duas ou três voltas arregaçaram-lhe as mangas e a bainha das calças, espetaram-lhe o boné em cima da cabeça e aí estava o nosso herói feito soldado (raso) e pronto a ganhar uns galões, perdendo, nessa noite, para sempre, a inocente virgindade. Subiu, pelo seu pé, para o Jeep, um Willys descapotável – igualzinho àquele com que o velhote Pessoa, um dia, subiu a antiga escadaria (que bonita que era!) do Clube da Vila – e sentou-se ao lado do Alferes.

Atrás do Jeep, seguia o Unimog com os restantes soldados. Lá foram todos em cumprimento do dever – patrulhar as redondezas da Vila. Coisa que faziam todas as noites ou quase. Só que aquela era especial. A missão era mais delicada. Levar o nosso herói, pela primeira vez, às putas!
Ao meio do caminho, nervoso, o nosso herói teve vontade de fazer chi-chi. Desceu do Jeep, um pouco envergonhado, meteu-se um ou dois metros dentro do capim e logo aí apercebeu-se das dificuldades que o esperavam: Desapertar os botões da braguilha do camuflado, desabotoar os das calças, e ainda as cuecas. Uff!
Tirou a dita para fora e logo constatou que com tanta roupa, a coisa mal chegava a espreitar o lindo céu estrelado que estava nessa noite. Indeciso, levou a mão à cabeça e coçou-a levemente, preocupado com a parca dimensão que a dita apresentava. Perguntou-se a si mesmo, serei capaz? Estremeceu. Sentiu alguns suores frios. Mas, depois, lembrou-se que aquilo, quando chegasse a hora, iria crescer ainda! Ficou mais descansado. Aliviado subiu de novo para o Jeep.
Quando chegaram ao quimbo aprazado, os tropas, já batidos neste tipo de missão, não tiveram dificuldades em arranjar uma mulher que se dispusesse a mostrar ao nosso herói que a vida é feita de diferentes prazeres.

– Vem “minino” entra! Não tem medo "minino"!
Medo. Medro era o que ele mais tinha. Baixava a cabeça e olhava para a zona nevrálgica na expectativa de ver o volume a aumentar, mas nada! Queda, a dita, mantinha-se inalterável!
– Áca minino! Entra! Insistia a “dama”.
Baixou a cabeça para poder entrar na portinhola da casa – uma cubata feita de pau-a-pique, coberta de capim – e, mais uma vez aproveitou, para espreitar a zona nevrálgica. Com satisfação constatou que a dita começava a compor-se. O ânimo começava a chegar-lhe. Atirou-se então à dama. Ou ao contrário, não sei. Certo é que se embrulharam os dois na esteira, feita de cana e que servia de cama a quem por ali vivia passava ou por ali passava. A luz muito amarela do candeeiro a petróleo e a manta que os cobria não lhe permitia entrever os traços da mulher que tinha por cima dele, nem, muito menos, os pormenores da humilde casa que o hospedava por breves momentos. Breves, mas inesquecíveis e incontáveis!
Quando tudo terminou, levantou-se, abotoou de novo a braguilha e deu-se, então, conta, espantado, que nem sequer tinha despido o camuflado! De imediato uma dúvida assaltou-lhe a mente para o resto da vida: Será que tinha conseguido? Será que tinha sido daquela vez? Ainda hoje, o nosso herói, não sabe responder a essa questão magna. A dúvida continua a persegui-lo. A atormentá-lo.
Meu caro, tranquiliza-te: a virgindade, às vezes, não se perde de uma só vez! Essa é a regra, mas há excepções que por vezes se esgueiram ...
Manuel Sampaio
Maio/Junho de 98, Lisboa