Ciranda o sol

Ciranda o sol
De nascente a poente
De poente a nascente
Arco perfeito de um magoado violino
Ciranda lenta e em descrente procissão
Como se fora um solitário peregrino

Não procura a lua
(o poeta é um fingidor...)
Procura a nua
Verdade das palavras por dizer

(Ó mar! Ó mar! Ó longínquo luar!)

Ciranda o sol
De nascente a poente
De poente a nascente
Arco perfeito de um magoado violino

Não procura a lua
Procura a rua
Onde ela, luar desfeito, aos Domingos vai rezar

Nem sinal da cruz...
Nem sinal de luz...


Senhora da Guia 4/5/08

Luminosidades

Reparo, agora, que o Sol já não bate nas vidraças da minha janela. Nem um raiozinho. Dizem-me que é assim nesta altura do ano. Que a astronomia explica isso. Quero acreditar na ciência...

A vida

"Ai amor, amores, do meu coração"...

Verso de Zeca Afonso

O jogo: Sporting 5 - Benfica 3

Ai Benfica Benfica. Meu Benfica.

Eram claros os dias

Os dias eram claros. Claros. Parecia-me que nunca tinham tido uma claridade assim. Abria uma janela e a luz inundava de luz todos objectos. Fechava-a e a luz teimava, teimava, e entrava pelas frestas mais estreitas. Tudo era luz. Luz. E quando anoitecia, o sol não desaparecia do céu. Ficava ao lado da lua. Continuava a iluminar a noite. Eram bonitos aqueles dias. Eram bonitas aquelas noites. O sol ao lado da lua. A lua ao lado do sol. O sol namorava a lua. A lua não sabia. Não sabia que o sol a namorava. Fingia que não sabia. A lua sorria. Sorria. O sol sorria. A lua falava, falava, o sol ouvia. Falavam muito. E quando acabava a noite e começava o dia, a lua continuava ao lado sol. Um dia o sol, inesperadamente, encheu-se de coragem e disse à lua que gostava da dela (quem é que não gosta da lua?). O sol não viu o rosto da lua a sorrir quando naquele dia e naquele momento lhe disse que gostava dela, mas tem uma certeza: a lua sorriu. A lua sorriu de certeza. A lua sabia há muito que sol gostava dela. E assim continuaram os dias: o sol a namorar a lua. A lua a fingir que não sabia. O sol a tocar a lua com os olhos. Os olhos do sol a tocarem a lua. Os olhos do sol a tocarem os cabelos da lua. A lua a fingir que não sentia. Assim continuaram os dias. Claros. Claros. Um dia na brincadeira, já a tarde entardecia, a lua perguntou ao sol se ele, sol, era capaz de a pedir em casamento. O sol riu-se. A lua riu-se. Riram-se os dois. O sol respondeu à lua: em casamento não. Os dois riram-se. Em casamento não, repetiu o sol. Riram-se os dois. Lia-se na cara do sol que o sol queria dizer algo mais. Encheu-se outra vez de coragem (o sol nunca fora muito corajoso com a lua) e atirou-lhe: em csamento não, mas em namoro sim. Riram-se os dois. Os dois riram-se. A lua quis saber por que é que o sol não seria capaz de a pedir em casamento e já era capaz de lhe pedir namoro. Mas o dia, que começara a nascer do outro lado da terra, puxava o sol para debaixo da linha do horizonte. Puxava. Puxava. O sol já não tinha tempo para se explicar. Apressadamente, a correr, despediu-se da lua: «Beijos. Até amanhã». Disse a correr. Mal imaginava o sol o que ia acontecer.
Continua (um dias destes ou um dia)
Não sei bem porquê (estou a mentir, sei bem os motivos...), nestes últimos dias, tenho-me lembrado de uma comovente história de amor contada pela pena do escritor cuja escrita actualmente mais me fascina.  A paixão começou assim:



"Esta era uma das coisas que fazia desde pequeno, que tinha descoberto por acaso e que imaginava ser eu a única pessoa a fazer no mundo. Fechava os olhos e via. Via o que se vê com os olhos fechados. Via o negro dentro de mim e via os pontos de luz que o quebram, as vagas de luz, as figuras abstractas de luz, os vultos de luz, as sombras de luz dentro da luz do negro dentro de mim. Isto é o que se vê quando fechamos os olhos e continuamos a ver: a cor negra e os pequenos seres de luz que a habitam. E não se conseguem olhar fixamente nem para o negro, nem para a luz. Os pontos ou as linhas ou as figuras de luz fogem da atenção. O negro é tão absoluto, tão profundo e tão infinito que o olhar avança por ele sem encontrar um lugar onde possa deter-se. Mas, naquela noite, comecei a distinguir algo dentro desse negro. Lentamente, devagar, um a um, os pequenos pontos luminosos deslizaram no negro e, pela primeira vez, vi que tinham uma direcção. Lentamente aproximaram-se um dos outros numa harmonia que existia ainda sem lógica. Depois, lentamente, tudo muito lentamente os pontos de luz formaram cordões de luz sobre o negro que eram linhas de luz sobre o negro. Depois, começou a surgir cada contorno de um rosto e de um corpo. Muito lentamene, muito devagar, um a um, começaram a surgir os traços do rosto mais lindo que alguma vez tinha visto e do corpo mais lindo que alguma vez tinha visto. Era um corpo de luz sobre o negro. Era uma mulher. Olhei-a até ser completa. Olhei-a até ter a certeza de que nunca iria ver uma mulher mais bonita na vida. Deslumbrante. E, mesmo depois dessa certeza, continuei a olhá-la. Ela olhava-me também. Tímida, sem saber talvez se podia sorrir. E a pele que não podia tocar era a pele de uma noiva pura que apetece beijar e não se pode, a pele impossível de uma noiva a caminhar para o altar com flores nos cabelos. As mãos eram toada a ternura e toda a elegância do mundo se houvesse mundo suficiente para tanta ternura e tanta elegância. Tinha um vestido leve, que era um pano branco a moldar-lhe o corpo. Tinha uns lábios finos. Tinha uns cabelos longos de mulher. Quando abri os olhos e me levantei da cama, tinha aquele milagre dentro de mim. Descalço, despenteado, em pijama, atravessei a casa. Sentei-me à escrivaninha. Com a mão a tremer, seguro na esferográfica. E, assim que pousei a ponta da esferográfica sobre a folha do papel, a mão parou de tremer. Comecei a escrever as primeira palavras daquele que, imaginava com uma certeza infinita, iria ser o meu melhor livro. Tinha vinte e cinco anos, seis meses e dezanove dias.

Escrevi até ao princípio da manha aparecer na janela. (.......................). O sol a chegar à escrivaninha e a ser dia nas folhas brancas. Escrevi duas páginas. Descrevi-lhe o rosto, os olhos, os lábios, a pele, os cabelos. Descrevi-lhe o corpo, os seios sob o vestido, o ventre sob o vestido, as pernas. Descrevi-lhe o silêncio. E, quando, me parecia que as palavras eram poucas para tanta e tanta beleza, fechava os olhos e parava-me a olhá-la. Ao seu esplendor seguia-se a vontade de escrever e, de cada vez que repetia o exercício, conseguia escrever duas palavras ou, numa máximo uma frase. Quando a manhã apareceu na janela, levantei-me e voltei para a cama, adormeci a olhá-la. Adormeci com ela dentro de mim.
"


O livro que o personagem julagava que iria ser o seu melhor livro acabou por não passar de folhas (que o acompanharam durante toda a sua vida) porque era tão sublime a paixão e tão sublime o cíume que o personagem não conseguia, sequer, suportar a ideia que alguém mais o  pudesse ler. Nem, tão pouco, o editor... Porque quem o lesse, tal era a mestria da escrita, era como se pudesse tocar e usufruir do corpo objecto daquela paixão! E essa ideia era-lhe insurportável.

Uma Casa na Escuridão
José Luis Peixoto
Ed. Temas e Debates
Tu (beau soir)

Bela... e serena como a brisa calma
Que amena atravessa a cidade
Rio... rio leito de claridade
Que meigo corre entre as pedras de minha alma.

Vento que sopra, brando, a vela da minha barca

Rumor... rumor de madrugada
Cântico que os pássaros rumorejam
Murmúrio antigo de uma ária inacabada



Lisboa 21/3/08

Luminosidades


Palvras reescritas (em jeito de poema)


E isso que importa?
continuas bonita e luminosa
como aquele raiozinho de sol
que todos os dias bate na vidraça da minha janela
Bonita e luminosa
como naqueles dias distantes de convívio
(tão distantes e tão indelevelmente presentes)
E isso é que importa!

Escuta…
Vou segredar-te uma coisa.
Com serenidade.
Com a mesma serenidade com que aquele raiozinho de sol
ao cair da tarde abandona a vidraça da minha janela.
Uma coisa que não é coisa.

Que não sendo coisa
é mais, muito mais, que coisa
É coisa de alma

(etéreo aroma)
que há muito sinto

e que juro, juro, não minto
Gosto de ti.

Minha roma.

(e tu sabias)


Lisboa 27/2/08 e 19/3/08



Saudades

Já tenho saudades deste meu cantinho. Vou regressar. Em breve.

Viagens e memórias...

Se te lembrares manda-me, via espaço, o azul da Baía Azul e traz-me num bolso uma casuarina da Praia Morena. Do Cubal não me mandes nada. Não me tragas nada. Tenho tudo, tudo, inscrito na alma. Indelevelmente.

O Henrique foi mais uma vez fazer a viagem que eu sonho fazer um dia. Foi este o recado que lhe deixei.

A Noite de Reveillon

Dançaste lindamente. (afinal não havia motivo nenhum para receares...). Não parecia nada que tinham passado já tantos anos. Não trocámos um passo. Não te dei nenhuma pisadela. Dançaste lindamente. Com tanta elegância, com tanta leveza que mal te sentia nos braços (com pena minha...).

2008

"Quando o ritmo estupidamente frenético do dia a dia abranda e (já mais tranquilo) me rencontro comigo mesmo, uma coisa acontece sempre: lembro-me dos meus verdadeiros amigos . É o caso de hoje. Um Bom Ano."

Foi esta a mensagem que enviei aos meus amigos no últino dia do ano passado. Aqui fica registada.

Marcas indeléveis (do Império...) - 12

Cabinda

(Construção dos anos sessenta durante a guerra colonial)

Não sei se devia terminar a legenda com reticências ou com um ou mais pontos de exclamação. Juraria, no entanto, que quem acompanhe a série da RTP "guerra colonial" do Joaquim Furtado, (e não tenha estado em Angola nesses anos), perante esta foto ( e outras como a de baixo) optaria pelos pontos de... admiração!

Estação do Luso

(bem próximo estava a guerrilha)

A cor e a modernidade destas obras contrariam, pelo menos um pouco, o tom a "preto e branco" da série do Joaquim Furtado. Contudo, ambas - o que está nestas fotos e o que se vê na série televisa - foram uma realidade. A mesma realidade.
Bom dia! Este Bom dia dirige-se àquele (não sei quem - mas um amigo de certeza) que irá ser o 1000º visitante deste Avulso & ao Calhas e a todos os que quase diariamente, sem ser ao calhas, o visitam na tentativa, nos últimos tempos sempre frustrada, de lerem algo de novo. Nenhuma novidade encontram e... não desistem! Agradeço, cá do fundo, essa persitência. Neste caso a persitência é sinónimo de amizade. Obrigado e um bom dia para todos.

Luminosidades e coincidências...

Já se despediam pachorrenta e silenciosamente os últimos raios de Sol, quando lhe ocorreu que a mensagem, que naquela manhã enviara, iria passar em claro a noite que se aproximava com a indolência do costume. Nesse exacto momento fez-se ouvir um prolongado sinal sonoro. Espreitou: um raiozinho de sol acabava de chegar quando os outros, fugidios, já lhe viravam as costas.

Espantoso...

Há dias, ao fim de bastante tempo fui à minha caixa de correio pessoal. Sem dar por isso tinham-se passado seis meses desde a última vez que lá fora. E fui lá porque um amigo me disse que me tinha enviado um poema para eu comentar (como se eu fosse um especialista na matéria). A caixa estava cheia de mensagens, a maior parte delas era correio promocional de diversos produtos. É o que dá comprar qualquer coisa pela net - a seguir inundam-nos de publicidade. Não encontrei o tal poema que procurava (o Henrique julga que o enviou mas não enviou nada, coisa que a mim às vezes também me acontece). Mas deparei com uma mensagem que me surpreendeu e que muito me emocionou. Quem me escrevia tinha deixado essa mesma mensagem em Janeiro no meu post "Espantoso..." de 20/Out/06. Escrevi eu nesse post que nos anos sesssenta em Angola não eram muitos os negros que frequentavam a Escola, mas os que a frequentavam faziam-no na mesma escola que a dos brancos. Todos nos sentávamos nas mesmas carteira, bebíamos água da mesma torneira e jogavámos com a mesma bola, ao contrário do que sucedia nesses mesmos anos sessenta na democratíssima América. Aí a coisa piava mais fino. Nesse post mencionava os únicos colegas negros que frequentavam o Colégio onde eu andava: o Satumbo e o Chandamissa. O Satumbo sei que continua em Angola e já tive o prazer de o "ver", já, naturalmente, com menos cabelo e mais entradas, numa foto com um outro amigo de então, o "Garoupas". Quanto ao Chandamissa, colega de carteira, infelizmente apenas sabia que morrera na guerra que se seguiu à descolonização e que opôs o MPLA e a UNITA.

A mensagem que muito me tocou dizia o seguinte:

"Quando lia o blog algo despertou-me a atenção, o nome "Chandamissa". Se estava a referir-se ao Serafim Chandamissa, este é o meu pai. Gostava imenso de trocar algumas impressões - Delman Chandamissa".

Já não me lembrava muito bem qual era o nome próprio do Chandamissa. Não parece, mas já se passaram 4o anos! Mas só podia ser ele. Senti emoção nas palavras do Chandamissa filho. Praguejei contra este mau hábito de não consultar diariamente a minha caixa de correio. Tive receio, dado o que tempo que já se passara, que o tm que o Delman me dera já não "funcionasse" e, acima de tudo, tive receio que o Delman pudesse pensar que eu não não tivesse ligado nenhuma à mensagem que me deixara. Peguei de imediato no tm e liguei-lhe. Estava ocupado. Insisti. Por fim falei com ele. Chegámos rapidamente à conclusão que o Chandamissa, meu colega, era, efectivamente, o pai dele. Serafim Lara Chandamissa. Contou-me que não chegara a conhecer o pai. O pai foi preso em 1979 pelo MPLA e nunca mais a família soube dele. A família não tem dúvidas nenhumas de que foi morto mas nunca lhe entregaram o corpo. Nunca. Naquele ano, no rescaldo do Golpe do 27 de Maio desapareceram, assim, centenas de pessoas. Diz-me o Delman que tudo o que cheirava a intelectual era ceifado. Eu sei que foi assim.
O Delman vive na margem Sul. Está no último ano de Gestão Informática na Lusófona. Ainda pensei que fosse bolseiro de Angola. Não. Trabalha e estuda. Gostei muito de saber. E gostei muito de falar com ele. Pareceu-me uma pessoa afável como, aliás, era o pai dele, embora marcado pelos acontecimentos e muito empenhado em valorizar-se. Combinámos um copo para um dia destes.
Convidei-o a estar presente no próximo Encontro dos Antigos Estudantes do Cubal. Disse-me que tinha o maior prazer em conhecer os colegas do pai. E nós teremos a maior a maior alegria em conhecer o fillho do Chandamissa. Vamos esperar pelo Encontro.

Luminosidades...

Finalmente o sol, finalmente luz, finalmente um dia claro. (Finalmente volto ao meu blogue). Segreda-me, porém, o meu pisa-papéis – como se eu não desse conta – que há um raiozinho de sol que se esquiva por detrás de tanta claridade. Porque é que há sempre um porém a tingir o azul do céu ?

Eleições em França ...

Votei Sarkosy! Sei que desaponto muitos dos meus amigos com esta revelação. Que hei-de fazer!? Votei pela clareza (coragem) das suas opções em relação à emigração e ao seu não à entrada da Turquia na UE. Tão só por isto.

Luminosidades...

Lá fora a noite cai. Escura. Definitiva. Cá dentro há um fiozinho de luz que não escurece. Recusa-se. Serenamente. Silenciosamente.

Marcas indeléveis (do Império...) - 11


Cabinda - Hospital

Não parece antes uma antiga estância de férias para trabalhadores?

25 de Abril...

Ontem enviei a um amigo dos tempos de Coimbra, com quem vivi intensamente a chamada "Crise Académica de 1969" , a seguinte mensagem:

"Senhor poeta vamos dançar / caem cometas no alto mar / atiram pedras / arrancam dentes..."

Claro! Claro que estou a ouvir o Zeca! E, inevitavelmente, as memórias que a voz inagualável do Zeca me evoca, emerge em primeiríssimo plano a tua voz a misturar-se com a dele naquelas longas e inesquecíveis noites de Coimbra vagueando entre o Aquário, a leitaria do Raúl e a Clépsidra. Vagabundeando e cantarolando, madrugada adentro, as canções do Zeca.

"Senhor poeta vamos dançar...". Tenho saudades tuas. Tenho saudades de tudo.

Viva Abril! Que para ti, eu sei, é ainda uma "jornada de luta" mas que para mim é apenas evocação, memória e festa (interiores) onde entras sempre, sempre. Tu e outros amigos.»

O amigo de que falo é o meu querido amigo Hermínio.

Luminosidades...

Como ontem,
como ontem antes de ontem,
o céu continua azul.

Continua azul, azul, azul!

Continua azul...
para lá do cinzento das nuvens
(negro, quase negro)
que cobre todo o azul, azul, do céu.

Um amigo de sempre e para sempre

Hoje, como ontem, há milhões de pessoas que fazem anos. Pessoas simples, pessoas endinheiradas, cientistas, artistas, políticos, celebridades. De todos esses milhões, hoje, só há um que conta. Só há um que consta da minha agenda que trago chegada ao peito. Faz hoje anos! Não sei precisar quantos. Sei que são um pouquinho mais que os meus. (mas isso que importa ?!).
É pai do João e da Susana. Está quase a ser avô da Sara. É irmão de um amigo que por estes dias faz um ano que partiu não se sabe bem para onde mas que todos os dias o sentimos bem perto de nós. Bem perto daquela parte de nós que sente, que em silêncio chora e que dele sente a sua falta.
Vermelho, como eu, na camisola (gloriosa) que veste. Mas verde na militância!
Ao contrário de mim, quando promete que vai escrever uma história, escreve mesmo. E escreve bem. E de uma forma vertical. Na escrita é repentista, como repentista era no futebol de salão, antigamente. Não mastigava o jogo. Um ou duas fintas e rematava pronto, certeiro e com qualquer dos pés.
E ao fim deste anos todos continua em forma. Em grande forma. Física e lírica. Basta ver como em Férias Deslizo veloz neste silêncio/Apenas o sussurro da neve, na passagem/pensamentos ausentes. Bonito, muito bonito Henrique! É, é o Henrique que faz hoje anos! Um amigo de sempre e para sempre. Parabéns, meus caro! E um grande, grande abraço!

Marcas indeléveis (do Império...) - 10

Estação do CFB no Luso



Digam lá se não parece (descontando o preto e branco da foto) um desses viadutos modernos, custeados com fundos da UE, que cruzam as nossas cidades!

O regresso das luminosidades...

Finalmente uma "escapadela"... para voltar ao Blog! Para dizer qualquer coisa. Não sei bem o quê. Que aqui também há luz, há Sol, muito sol até, e que aquele raio de luz, aquele que fazia brilhar o meu pisa-papéis e me fazia nascer um brilhozinho nos olhos, ontem, pela primeira vez, nestas bandas, ao final da tarde, inesperadamente, roçagou o meu rosto. Para dizer a verdade não foi ele que me surpreendeu (verdade, verdadinha, isso, era o que eu gostava que tivesse acontecido). Fui eu que me pus à sua frente.

Luminosidades...

E agora! Como é que vai ser? Os prédios pombalinos, as águas-furtadas, as varandas de sacada, as janelas, os vidros das janelas, os reflexos dos telhados e dos prédios pombalinos nos vidros das janelas... a luminosidade das manhãs e dos fins de tarde. Sim, acima de tudo, a luminosidade dourada das manhãs e dos fins de tarde. Uma ou outra gaivota que cruza os telhados dos prédios pombalinos... Como é que vai ser? Como é que me vou dar sem tudo isto? É... vou deixar a Baixa de Lisboa. Já hoje. A vida profissional tem destas coisas. Mas espero que esta luminosidade... (única) não me abandone. Nunca. (levo comigo pelo menos um raio de luz... e o pisa papéis...)

A nossa escola

Subscrevo inteiramente: "O bom selvagem" de Francisco José Viegas. É na disciplina (que não há) que radica a ineficiência do nosso sistema de ensino. A "menina de cinco olhos" da velha direita (ou o espectro dela) e o pensamento/cultura da actual esquerda têm uma grande responsabilidade nisto.

Luminosidades...

Aquele raio de luz solitário, intruso, que até aqui apenas fazia brilhar o pisa papéis que tenho sobre a secretária, subitamente – não sei por que carga d’ água (gosto de fingir que não sei) – saltou-me para o rosto e para a alma e acalentou-me o resto do dia.

Pequenos pedaços de poesia (II)

Paul Celan
(1920-1970)


A morte é uma flor que só abre uma vez.
Mas quando abre, nada se abre com ela.

Abre sempre que quer, e fora de estação.

Luminosidades...

Subitamente o pisa-papéis da minha secretária brilha. Olho para o meu lado direito e reparo que é um raio de sol que se escapa pela janela adentro. O que faz este raio de sol por aqui, em zonas de minha jurisdição? Nada. Para além de fazer brilhar o meu pisa-papéis. Nada.

Voos da Águia

Desde Sábado 24 que esta águia (em prata) poisa no lado esquerdo do meu peito. (afinal sítio onde mora desde dempre). Vinte e cinco anos de dedicação!

Voos da Águia

Dínamo 1 - 2 Benfica

Missão e dever cumpridos. Em frente!

O segundo holocausto





É o mínimo a que a minha consciência me obriga e, infelizmente, o máximo que eu posso fazer: divulgar esta inquietante análise.

Quotidiano

Hoje é dia de Cozido e de Quadratura do Círculo. Raramente perco um destes pratos.

Marcas indeléveis (do Império)... 9

Ex-Praça Marcelo Caetano - Silva Porto

Quotidiano

A vida é feita de pequenos nadas. Entrou ontem em casa uma mesinha para a sala de estar. Estou encantado. Já tenho onde estender os pés!

Marcas indeléveis (do Império)... 8

Caminho de Ferro de Benguela

A ponte e a serpente

Luminosidades...

Os objectos à minha volta são nítidos. As ruas claras. Os recortes dos prédios quase lâminas. Os vidros reflectem a luz intensa do dia. A claridade tudo submerge. Só a minha varanda se queda pela penumbra. (Há quanto tempo não falamos?)
Receita para um cocktail

Fere-se de morte
o poema antigo
que em cíclicas ondas
a alma nos avela,

Recolhe-se uma taça rasa
da quente e cálida sangria,

Dissolve-se uma mão cheia
de leve, leve, melancolia.

Agita-se (com gesto e jeito de escanção).

Dá-se-lhe um cheirinho
a maresia.
(Apenas um cheirinho,
não mais que um cheirinho
que a maresia crava-se na alma).

Um travo de wisky
de puro malte,
dois ou três cubos de gelo
(p'a esfriar toda esta agitação)

e pronto…

Leva-se à boca
em repetidos e amenos versos,
à mistura com pianíssimas notas de Chopin
(de preferência os nocturnos 1 e 3)

Referendo

O SIM não tem um único argumento invulnerável (já o Não tem um que é inatacável: o direito do feto à vida) – a não ser a histórica incapacidade do país em assegurar as condições socioculturais que o voto no NÃO pressupõe e implica. Gostava de poder votar NÃO. A inexistência de tais condições obriga-me a votar "sim". É por isso um sim minúsculo, pragmático e envergonhado. Envergonhado para evitar uma vergonha maior: o vão de escada.

Marcas indeléveis (do Império)... 7

Caminho de Ferro de Benguela

Serpenteando...



O ventre da serpente...

Luminosidades...

Abro a fresta da janela. O Sol pousa nos telhados e escorre pela quietude das paredes. Invade a cidade. Todos os raios de luz me tocam. (Menos um...).

Marcas indeléveis (do Império)... 6


Silva Porto - Ex-Praça Marcelo Caetano


A modernidade presente (no passado).

Porto - 0 Estrela do Amadora - 1

O Glorioso, por aquilo que jogou com o Boavista, mereceu inteiramente a vitória do Estrela...

Benfica - 0 Boavista - 0

E dizes (Henrique) que não há Deus... Há! E muitos. E são todos do Boavista!

Era um dos nossos guarda-redes...

Nunca ninguém o conseguiu contactar para aparecer no Encontro (dos antigos estudantes do Cubal). No nosso Encontro. Ninguém sabia o seu paradeiro. Todos os anos se fazia um esforço para o contactar. Mas, nada. Dizia-se que andava pelo Barreiro. E eis que ontem, já ao cair do pano, abruptamente, em vez dele, é anunciada a sua morte. Em Gouveia. Não quis acreditar. Em vez de sinais de vida que há muito procurávamos, é a morte dele que se apresenta. Mais valia estar quieta. Quietinha. Ninguém a chamou! Porra!


Tinha aparecido no Cubal já nos anos sessenta, vindo da Metrópole, do Puto, das berchas. (era assim que na nossa linguagem nos referíamos a Portugal). Tímido, ingénuo, mas destemido - alías, guarda-redes não podia ser de outra maneira. Quando lhe deram os kedes (hoje ténis) para calçar e jogar pela Associação Académica do Cubal, chamou-lhes – muito apropriadamente – sapatilhas. Azar dele. Ficou para sempre "o Sapatilhas". Nunca mais se livrou do nome.

Até sempre Sapatilhas. Até sempre.

Luminosidades...

(Falei hoje contigo). E de repente há um Sol que irrompe pelas frestas deste dia cinzento e pachorrento. A tonalidade da luz é única. Não há outra assim. (Como tu).

O meu Cinema Paraíso

Ontem inaugurei em casa o meu ciclo de cinema paraíso com o “Dr. Jivago”. A primeira vez que o vi tinha 16 anos. Fiquei esmagado com a beleza da fotografia. Embevecido pela história de amor. Encantado pela música de Maurice Jarre – creio ter sido a primeira vez que retive o nome do autor de música e o nome do realizador. Até aí só fixava os nomes dos artistas principais. E, claro, claro, fascinado pela Julie Christie. Um azul de olhos que jamais vira (azul assim só o da baía Azul). Poucos anos mais tarde, uma colega na faculdade em Luanda, linda, linda, havia-me de fazer lembrar muitas vezes a Julie… e nem sequer azul tinha nos olhos.

A segunda vez, anos mais tarde, já iniciado nas minhas andanças de cavaleiro marxista, recusei vê-lo. Era uma patética história de amor (pequeno-burguêsa, claro) e contra-revolucionária!

Ontem foi a terceira. A fotografia continua a esmagar-me. A história de amor é uma história de amor. Falta-lhe, pareceu-me agora, paixão, sensualidade. A música é indissociável do filme. Não podia ser outra. A Christie continua linda, linda. Fez-me lembrar a minha colega da faculdade… (revia-a há pouco tempo, continua linda!)

A leitura política que faço da película é que sofreu uma… reviravolta! E era aqui que queria chegar. Perturbou-me o filme. Perturbou-me ver como que um idealista – Pasha Strelnikoff – se transforma, em nome da revolução (sempre em nome da revolução…) num tenebroso sanguinário. Incomodou-me o filme. Incomodou-me sentir que eu, em circunstâncias idênticas, fizera, (salvaguardas as diferenças de protagonismo, claro!) o mesmo e cretino papel – o de guarda da revolução. Ainda que este se tivesse apenas quedado pelo plano ideológico. Mas a verdade é que defendera os mesmos princípios: o partido acima de tudo – família, amigos, afectos. O partido acima das pessoas. Em nome do povo. Sempre em nome do povo. Em nome das massas populares! (era assim que dizíamos). Interpelou-me o filme. Profundamente: se em 75 a revolução leninista tivesse triunfado (não esteve longe disso), até quando é que desempenharia aquele papel? Até quando? Mais. E, talvez, mais angustiante: qual era a linha que eu jamais ultrapassaria? Assustou-me perceber que quando (e enquanto) se acredita na revolução e no partido essa linha de demarcação é muito ténue. O partido toma conta do coração e apodera-se da razão. O partido passa a ser a razão de sermos. E a razão passa a ser a do partido. E é aqui, neste ponto, que se é capaz das maiores crueldades. Basta que a revolução o exija. Basta que o partido ordene.

Incomodou-me. Mas fez-me bem ver o filme. Recomendo-o aos meus amigos (e cavaleiros que foram comigo) das andanças marxistas.

Marcas indeléveis (do Império)... 4



Clube Desportivo Ferrovia - cidade do Cubal


Repare-se nas linhas arquitéctónicas. A foto é da época (1962?), mas a modernidade do edifício é actual. Actualíssima. Era aconselhável que o "ippar" de Angola iniciasse a inventariação e preservação do património respeitante ao período colonial. Estamos a falar do património de Angola. Nossas são apenas as marcas indeléveis.

Segunda-feira...

Hoje apetece-me fazer tudo. Tudo menos aquilo que tenho para fazer – que é tudo.

Marcas indeléveis (do Império)... 3


Palácio do Governador em Benguela

Amigos que vêm de longe!

O Sombreiro, visto do lado da Caotinha

Dentro de dias, muitos poucos, se tudo correr bem até lá (que o mesmo é dizer se Deus quizer), irei somar mais um aniversário. Já são muitos. São muitos se pensar que as ondas dos meus cabelos já lá vão e, pior, grande parte dos cabelos também... Mas são poucos se pensar que gosto muito de estar. Especialmente quando estou com os meus amigos – o que acontece raramente – com os meus amigos de sempre. Aqueles que são mais firmes e seguros que os imbondeiros.
Ontem, ao visitar um blog de um destes amigos (grande, grande amigo), deparei com este post. Comoveu-me saber (e sentir) que aquelas palavras foram moldadas para mim – e isto de juntar palavras e harmonizá-las, dar-lhe corpo, não é tarefa fácil. Para além desta prenda, presenteou-me com uma outra – um cd de música das nossa terra. Tendo gostado das duas, é fácil perceber qual é que me tocou mais. Obrigado Henrique.

Marcas indeléveis (do Império)... 2

Banco de Angola em Malange


"Viagens com ou sem memória" (3)



O Presidente da República mostrou-se surpreendido com os inúmeros sinais que os portugueses deixaram na Indía. Não imaginava ele que a nossa presença por aquelas terras tinha deixado marcas tão indeléveis.

O que a mim me surprende é a sua surpresa. Há uns livrinhos de História que contam tudo.

Antecipando outras viagens do Presidente da República aos novos países da lusofonia e a fim de lhe poupar novas supresas, inauguro hoje uma exposição fotográfica avulsa e ao calhas sob o tema:

Marcas indeléveis do Império (1)

Igreja da missão do Bimbe


"Viagens com ou sem memória" (2):


“Cacimbo a cacimbo, de calema em calema, os nossos velhos ergueram lugares, vilas e cidades onde, antes, só havia mato e capim! Uniram margens, outrora intransponíveis! Abriram picadas, rasgaram caminhos. Uns de ferro, outros de terra batida, mais tarde de alcatrão. Edificaram escolas. Construíram portos. Ensinaram a ler, a escrever, a fazer contas. Substituíram o cazumbir e o feiticeiro, pela sulfamida, o quinino, a penicilina, o enfermeiro e o médico. Numa esteira estendida pelo chão, no quimbo ou na sombra de uma mangueira, quantas vezes com amor, outras por precisão, fizeram mulatos, morenas de Angola, garotas de Ipanema! Que sonetos mais bonitos podiam ter feito? Vejo e oiço os dirigentes deste meu Velho País. Arrepiam-se, como eu, quando em pedras esquecidas pelo tempo e pelos homens, e corroídas pela erosão dos séculos, se decifram tenuemente as Cinco Quinas esculpidas por mãos sem nome e sem rosto. Emocionam-se, como eu, quando ouvem palavras soletradas em português por bocas famintas de gente humilde em lugares longínquos e inóspitos onde, perante tão grande lonjura, se pergunta, mas ali havia gente? Também ali chegámos? Palavras ditas com sotaque em que o artigo definido ou indefinido, admiravelmente, não concorda, quanto ao número com o substantivo que o acompanha. Palavras que têm o sabor das manga, dos coco e das goiaba. Emocionam-se e logo se lembram, como eu, de citar Pessoa: a Língua Portuguesa é a minha Pátria! Mas a nenhum deles ocorre perguntar, como eu tantas vezes me pergunto, com a ironia de quem sabe de antemão a resposta, quem é que construiu essa Pátria sem fronteiras a que chamam, agora, com acerto, Lusofonia? Quem é que lhe desenhou o corpo, tisnou a pele e lhe deu alma? Sem ter consciência disso, eu sei. Mas quem foi? Quem é que teceu esses laços que nem a erosão do tempo, as distâncias e as guerras lograram destruir e que, agora, todos dizem querer preservar e cuidar como se de frágeis flores se tratassem? Quem é que espalhou essas palavra portuguesa, como se fossem sementes, por essas terra longínquas? O vento não foi certamente..., diria um outro poeta, embora, pela grandeza da obra, mais parece ter sido mister da natureza do que dos homens! Quem foi? Quem foi? Quem foi, então!?

Eles, os dirigentes deste meu velho país, sabem tão bem como eu. Mas não ousam dizê-lo. Prisioneiros do que é politicamente correcto, não têm a coragem do poeta de Abril que gritava bem alto: “Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são/Se for um copo é um copo/ se for um cão é um cão”.
 
Vá! Não tenham medo da palavra! Foram os colono! Porra! Foram os colonos! Chiça!

Foram os nossos velhos! Os que há muito partiram, os que partiram há pouco, os que – como o meu pai – em breve partirão e os que – como nós – um dia partirão. Mais ninguém! Eles que (sem saber) escreveram tantas páginas da nossa História,  a História (feita hoje) reservar-lhes-á apenas as mais sujas (que as houve)… Tamanha injustiça!
 
Não foi uma obra desinteressada? Tem páginas negras? Gerou injustiças? Correram lágrimas e sangue? Apontem-me obra humana sem mácula, inocente, pura, perfeita!

Isto foi parte do que, há uns anos, escrevi, talvez com excessiva emoção, a propósito da morte de um antigo professor e da morte do meu pai que então se esperava para breve.
Subscrevo: "viagens com ou sem memória" de J.Pacheco Pereira
"Pode-se ir à Índia sem Vasco da Gama? Talvez possa, mas para um português, não se deve. Não digo tanto “sem Vasco da Gama”, mas “sem Goa”, sem a memória da nossa identidade que lá ficou um pouco enterrada e está a cair aos bocados. Mas mesmo que já estivesse toda no chão, enterrada por desprezos diversos, o lugar está lá, as almas estão lá num canto qualquer a assombrar-nos. A história é assim: não se pode ir à Índia com inocência absoluta, nem aliás os indianos nos responderão com inocência. A história pesa. Não é saudosismo, é respeito por nós próprios que fomos feitos por aqueles homens que por lá andaram à espadeirada, à pimenta, na pirataria, brutos, cruéis, gananciosos, vaidosos, crentes, santos, líricos, o que se queira, mas nossos. Vem nos Lusíadas, que tanto patriota cá da casa gosta de bater no peito, para esquecer quando vê um call center deslocalizado."

Cemitério de Pianos: um livro a não perder



Acabei há dias de ler o Cemitério de Pianos. Há livros que leio de um fôlego. Este não. Este saboreei-o, página a página, frase a frase. Tive dificuldades em chegar ao fim. Por duas razões: frequentemente lia e mal acabava de ler, voltava a ler de novo (não para perceber o sentido do texto como me acontece, confesso, com alguns dos nossos consagrados não é preciso dizer quais) mas para sentir de novo o prazer que a leitura daquela passagem, inúmeras passagens me dera. Lia e voltava a ler para me deter na luz que quotidianamente entrava  pelas janelas e iluminava os pontículos suspensos de poeira ou a claridade que se espelhava nos rostos dos personagens sem estes se darem conta. Outras vezes hesitava em avançar com receio de não encontrar imagens tão bonitas como aquelas que acabava de ler. Como esta:
"A minha mulher passa. Não repara na agitação inivisível e luminosa de notas de piano que deixa à sua passagem. Leve, passa com as mangas arregaçadas até aos cotovelos. Sem reparar, leva a claridade da manhã no rosto. Entra no corredor. ..."
ou esta:
"Ela tinha os cabelos apanhados num laço, era uma menina e, no seu rosto, havia qualquer milagre: pureza: que eu não sabia descrever. Os olhos grandes: o céu. Se estivesse suficientemente perto, acredito que poderia ter visto passáros a planarem dentros dos seu olhos, seria um mês da primavera dentro dos seus olhos: infinito. Ela era uma menina frágil e meu olhar pousava com cuidado na pele do seu pescoço, nos ombros sob o vestido de flores que trazia."
A história, adiantou o autor na apresentação do livro, tem dois narradores (?), com o mesmo nome: o avô e o neto de Francisco (Lázaro), carpinteiro e maratonista que morreu em plena maratona nos jogos olímpicos de 1912 em Estocolmo (untara o corpo de sebo para se proteger das câimbras e da fadiga – o que lhe foi fatal) . Desde o ínicio do livro e este é um dos lados interessantes do livro procuramos saber qual das vozes é que fala e em que tempo –  se de um de outro –  é que as coisas acontecem. Mas a dada altura é tal a dificuldade em estabelecer quem é que está a narrar que decidimos entregarmo-nos apenas ao prazer da leitura que, no meu caso, foi muito. Muito.



Aconteceu Taça (Porto 0 - Atlético 1) !!!

Mas por vontade expressa do árbitro (descaradamente) não teria acontecido... cinco minutos de descontos despropositados e um penalty inventado...

Não posso deixar de lembrar (aos amigos comuns) que o Atlético da Tapadinha era o club do coração do Aníbal Fernandes.


Subscrevo:

"A morte de Saddam Hussein" de José Pacheco Pereira in Abrupto. Muito em particular o 3.º parágrafo.













Ano de 2007

Já tinha dado os votos de Bom Ano aos meus familiares e amigos. Faltava aos visitantes deste Blog. (São mais ou menos os mesmos...)

Quand même: Um Bom Ano!
Alguém esta tarde, em Lisboa, se escondia, assim, do frio e da vida...


Reflexos no rio Côa... (Sabugal visto por mim neste último Natal)








Poemas (ridículos) de amor quem um dia os não fez... (IV)


Não remes, amor, não remes
Não vale a pena remar

Ao sabor indecifrável da corrente
Aos humores e amores do vento
À mansidão da água transparente,

Solta, solta a tua barca (bela)

Que a água dos rios
Corre inevitavelmente para o mar

Canções (3)
Foi em busca desse tempo que ontem fui, quando, ao final da noite, pus a girar temas de Aznavour. Et Pourtant, Il Fault Savoir, La Boémme...

... e, sentei-me de novo ao lado do meu caro e querido amigo Henrique, ao ar livre, no mais majestoso cine esplanada do planeta (asseguro-vos) – o Kalunga – com o cheiro a maresia que soprava, suave e quente, do lado da Praia Morena.




O ano era 1964, em tempo de férias grandes, e o filme tinha como "artista principal" o Aznavour e nele participavam também a Silvie Vartan e o Jonny Holliday e chamava-se "À procura do Ídolo" (Cherchez L'Idole).



Foto tirada e acabada de enviar pelo Henrique. Obrigado, meu caro.

O que fazem as canções, as grandes canções...

Canções (2)

Nostalgia é colocarmos um disco a girar, com aquele melancólico propósito de revermos e cheiramos as paisagens, as paredes, os caminhos e picadas daquele tempo.
Canções (1)
As canções agarram-se definitivamente ao tempo em que são vividas e às paredes e paisagens desse tempo.
Leia e, se estiver de acordo, assine:

Petição contra a implementação da TLEBS

Há dias Pedro Mexia ridicularizava assim a tlebs!
Poemas (rídiculos) de amor quem um dia os não fez... (III)

Ah! Se pudesse agora dar-te um beijo…
Não era um beijo que te dava!

Era um beijo…

Um beijo elevado a ene !
Imperdível

a exposição "Diálogos de Vanguarda" de Amadeo de Souza-Cardoso na Gulbenkian, encimada por este pensamento dele próprio:

"Ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa por falta de técnica, mais por falta de outra coisa que se chama temperamento"

retirado de uma carta (vale a pena lê-la) que escreveu ao seu tio Francisco.

Sou leigo em matéria de pintura. Mas, para mim, nesta arte, ao contrário do que se passa com a gastronomia..., embora aqui também tenham papel decisivo, são fundamentalmente os olhos que comem. Há quadros (de todas as correntes estéticas) que os meus olhos gostam e neles ficam pregados sem eu saber explicar porquê e há outros que os meus olhos se desviam até com algum desdém sem eu, igualmente, saber explicar porquê. Também não me preocupo em procurar razões, nomeadamente no segundo caso.
Já conhecia alguns quadros que pertencem ao CAM da Gulbenkian: a Procissão Corpus Christi (é um dos meus preferidos), os Barcos e a Cozinha da Casa de Manhufe (que pertence à minha colecção particular... virtual) entre outros.


A Cozinha de Manhufe



É espantoso. As primeiras pinturas de Amadeo datam de 1908 - antes ficara-se pelo desenho e caricatura - e morre em 1918, sem completar os 31 anos. E em dez anos, navegando por diversas estéticas, produziu uma intensa e vastíssima obra. Bem se podia acrescentar ao seu pensamento que também não é por falta de tempo que ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa... Mas também se pode perguntar (exclamando) que dimensão teria atingido a sua obra se por ventura tivesse vivido mais tempo.

Pedaços de poesia (I)

Meu Deus, meu Deus, que não acabem nunca
a areia e o mar,
o murmurar das águas,
os relâmpagos dos céus,
as orações dos homens.





Hannah Szenes
(1921-1944)
Old Tradford: Manchester 3 - Benfica 1
... Qualquer das formas uma coisa é perder 3-1 em Old Tradford com o Manchester outra é perder 3-1, em Alvalade, com o Spar... Spar... quê?
Sporting 1 - Spartakus 3
Os lagartos assustaram-se com as camisolas vermelhas... mas tive pena que não empatassem a partida! Tenho uma regra que não violo: contra estrangeiros torço sempre, sempre, pelos portugueses...
Como todas as regras, esta tem também uma excepção: aquele clube (galego) que equipa de azul e branco.
Ainda o referendo:

Vou votar sim. Mas há argumentos e questões que o não levanta a que sou sensível e me fazem reflectir:

"Dei por mim a pensar na ironia de tudo isto... O mesmo tipo de lógica que serve para condenar o abandono de animais (não são humanos mas têm vida, logo têm direitos), serve para defender o aborto de seres humanos (têm vida mas não são pessoas, logo não têm direitos). Porquê? Terá uma vida não humana mais direito a ser acolhida do que uma vida humana que não é ainda uma pessoa, seja lá o que isso for? A campanha dos bichanos acabou por me meter medo. Medo de uma sociedade onde a vida de um cão vale mais do que a de um homem." Pedro Picoito, blogue do Não
Eu enunciaria a tese desta outra maneira: Se se condena o abandono dos animais porque não sendo estes pessoas, possuem, porém, vida e, como tal, têm direito a ter direitos, entre os quais o direito à vida... Ora sendo os embriões humanos vida (o que, parece, ninguém põe em causa) deveriam usufruir dos mesmos direitos!
No plano filosófico e moral não encontro nenhuma, nenhuma justificação para o sim. Só que a realidade, por vezes, conflitua com a filosofia e os seus "argumentos" pesam mais. É o princípio do mal menor. É neste ponto que radica o meu sim.
Subscrevo:

"Sentimentos misturados" J. Pacheco Pereira in Abrupto (1.12.06)

"Claro que ninguém vai ao teatro, claro que acabaram os cafés (pelo menos em Lisboa), claro que se desertificaram os bairros, claro que acabou a Lisboa dos anos 60, tão íntima como provinciana, onde éramos os absolutos cosmopolitas, exactamente porque os filhos dos deserdados das cheias, os filhos dos operários do Barreiro, os filhos das criadas de servir, os filhos dos emigrantes de Champigny, os filhos da "canalha" anarco-sindicalista e faquista de Alcântara mandam no consumo e o mundo que eles querem é muito diferente. Eles entraram pelos cafés dentro e transformaram-nos em snackbars e em lanchonetes, entraram pelas televisões e querem os reality shows, entraram pela "cultura" e pela política e não querem o que nós queremos, ou melhor, o que nós queríamos por eles. O acesso das "massas" ao consumo material e "espiritual" faz o mundo de hoje, aquele que é dominado pela publicidade, pelo marketing, pelas audiências, pelas sondagens. É um mundo infinitamente mais democrático, mas menos "cultural" no sentido antigo, quando a elite, que éramos nós, decidia em questões de bom senso e bom gosto. E agora? Queríamos que "eles" tivessem voz e agora que a têm não gostamos de os ouvir quando o enriquecimento revelado por todos os indicadores económicos e sociais dos últimos 30 anos transformou muitos pobres na actual classe média, "baixa" como se diz na publicidade, nos grupos B e C das audiências. Nós queríamos que eles desejassem Shakespeare e eles querem a Floribella, os Morangos e o Paulo Coelho. E depois? Ou ficamos revoltados ou pedagogos tristes e ineficazes, ou uma mistura das duas coisas. Nós ajudámos a fazer este mundo de mais liberdade e mais democracia, que o é de facto. O 25 de Abril foi o que foi porque a geração de 60 o fez assim. Se os militares tivessem derrubado Salazar nos anos 40 ou Delgado o tivesse feito em 1958, o país seria certamente muito diferente."
Sporting 0 - Benfica 2!

O que mais gozo me deu é que ainda estavam a ajeitarem-se nas cadeiras e nos sofás.. com ar aquele ar tranquilo de quem já tinha as favas contadas e... já estavam com uma na pá! Depois levaram mais outra e... a barra salvou-os de uma terceira na . À Benfica!
Poemas (ridiculos) de amor, quem um dia os não fez... (II)

Quem dera
Nas tuas mãos, entre os dedos,
Pousar os meus segredos

Quem dera
No teu leito, nos teus seios
(despidos)
Adormecer os meus receios

Quem dera
Nos teus olhos
(verdes olhos)
Cabelos castanhos aos folhos
Alagar a minha melancolia
Em ondas soltas de maresia

Quem dera
Na tua pele
(vestida de mel)
Adoçar os amargos da minha boca
Que é tão leda
Que é tão louca

Quem dera, meu amor, quem dera
A PRIMEIRA NOITE... OU COMO SE NÃO PERDE A VIRGINDADE DE UMA SÓ VEZ
(Estória já contada e que me limitei, agora, a ilustrá-la)



Insinuando o pequeno e leve gesto de os beijar, cruzo os dedos indicadores, e, solenemente, como nos tempos de puto, juro. Juro com Deus: Esta que vou contar não se passou comigo. Juro! Juro com Deus! Com a mesma solenidade, asseguro-vos não desvendar quem foi o herói desta história. Melhor: Juro! Juro mesmo! Com Deus!

Direi apenas que era, na época, um rapaz acanhado, de poucas falas. O rubor traía-o com alguma frequência. Hoje, homem maduro, não perdeu ainda a timidez. Essas coisas, aliás, nunca se perdem totalmente. Mas soube sempre domá-la.

Não me lembro ao certo que ano corria por aquela altura. Certo, certo, é que o terrorismo já tinha rebentado. O boato que dava como iminente a entrada dos turras por ali adentro e que ficou célebre, se a memória me não prega das suas, ocorrera já há dois ou três anos. Tanto que a antiga Escola Primária já se tinha transformado no quartel que veio acolher o Destacamento Militar. A 4ª Classe estava, pois, acabada – já tinha feito provas que sabia de cor e salteado os afluentes do Rio Douro e do Tejo e que conhecia, um a um, os apeadeiros da Linha da Beira Alta e da Beira Baixa! O nosso herói também. Andávamos ambos pelos 12 ou 13 anos. Não mais ou pouco mais. Já tinhamos dado os primeiros passos no Francês e aprendido, para o resto da vida, que há sempre excepções que se esgueiram à regra (todas as palavras terminadas em age, com excepção de... e seguia-se a lenga-lenga).

Os tropas do dito aquartelamento lá andavam. Com pouco que fazer. A actividade resumia-se ao render da sentinela, ao hastear da bandeira e a uma ou outra parada em dias de cerimónia oficial (que terminavam, invariavelmente, com vivas inflamados ao aborígene de Santa Comba e a bem da Nação! Claro!). A guerra passava-lhes ao lado. A nós também. Afinal os turras andavam longe, pelo Norte da Província. A frente Leste não tinha, ainda, sido aberta. Fustigavam a Pedra Verde. Nambuamgongo. Nóqui.





Nomes que os anos quentes da guerra mitificaram e que inspiravam respeito. Muito respeito e à volta dos quais se fazia um silêncio que amedrontava quando eram pronunciados. Pela Rádio pouco se sabia e no Jornal nada se lia. Quando – de quando em quando – nos chegavam os ecos dos combates, através de relatos que em surdina passavam de boca em boca, sentíamos o medo que seria cair numa emboscada no seio daquele mato imenso, colossal e escuro. Quase nos parecia ouvir o barulho do capim e o tilintar das catanas inimigas e baionetas que, no início da guerra, adornavam as Mausers dos (nossos) combatentes. Eram aqueles nomes que, afinal, nos lembravam que vivíamos uma guerra que parecia, pacientemente, sem pressas, esperar por cada um de nós. A nossa vez haveria de chegar! Era, talvez, a única certeza!

Enquanto tardava essa hora que julgávamos fatal, a Rua era a nossa (na)morada dilecta e o Sol um companheiro que nunca nos abandonava. Mesmo quando o dia já cansado, inevitavelmente, se vestia de negro, adormecíamos com a certeza que logo pela manhã, ao romper do dia, lá estaria de novo aquele companheiro quente e luminoso a acordar-nos pelas frestas da janela.

Fora de casa é que estávamos bem. Jogávamos à bola no Parque da Vila – palco de tantas aprendizagens – com pontapés que levavam muitas vezes, para nosso desalento, a borrachinha em voo sem regresso sobre o muro e as mangueiras do quintal do velhote Lemos. Trepávamos as buganvílias e as árvores que serpenteavam a Rua de Trás, onde as (mães) pretas montavam banca e vendiam os inigualáveis doces de jinguba. Rodávamos filmes de Cowboys e Indíos, dirigidos com mestria e imaginação pelo Zé Lemos (qual Spielberg!). Fugíamos para o Rio e para a Lagoa do John. Construíamos e afundávamos jangadas de bananeiras.



Uns com fisgas e os mais afortunados com pressões d’ar, íamos, em chusma, à caça das rolas e dos siripipis para os lados do Forno da Cal e da Cerâmica. Pelo caminho ruminávamos (como gostava de dizer a Cecília) chuíngamos adquiridos na loja do velho Falcão ou, em tempos ainda mais idos, no bar do velho Fraga. Intercala(pá)vamos um p no me(p)eio de cada pa(pa)lavra qua(pa)ndo não quer(ep)íamos se(pe)r entendi(pi)dos.

Subíamos aos Filtros da Água e na volta jogávamos matraquilhos no Chipútia (Matraquilhos! O único desporto em que atingi alguma notoriedade! Bola nos três era golo pela certa!)

Coleccionámos cromos que comprávamos na Loja do Ambrósio e gozávamos com as encantadoras (!) e inefáveis sobrinhas.

Nos intervalos das nossas aventuras, quando estávamos já a tinir e a guita não chegava para um Nilos ou um Delta, fumávamos com a mesma avidez um chiquinho ou mesmo uma biúla esquecida num cinzeiro qualquer e combinávamos novas fugas, novas aventuras. E quando, de quando em quando, nada havia para fazer, provocávamos com alguma crueldade os boleiros e sorveteiros que a mãe dos “Penas” tinha ao seu serviço – vítimas, às vezes, do nosso ócio.

Soltos e cheios de fúria dançávamos o Twist e com muito farfalho e doçura, os tangos a média luz e os números musicais mais românticos (Quando calienta el Sol naquela playa, sinto tu cuerpo vibrar...). Nas tardes de cinema, ultrapassada a vigilância atenta e implacável do Alexandrino – o eterno artista principal das suas próprias histórias – vibrávamos com as proezas dos nossos heróis – Gary Cooper, Marlon Brando, John Waine e tantos outros. Era verem-nos a incentivá-los nos momentos decisivos das lutas: Dá-lhe! Agora! Boa! Começavam, também, a despontar as primeiras fantasias com a Elisabeth Taylor, Sofia Loren...






Com pachorra de Domingo, à sombra de uma árvore (seria uma acácia?) que nos viu crescer a todos, plantada junto do muro de pedra e cimento que envolvia as traseiras do Clube da Vila, aguardávamos pela santa saída da Missa. Era um ritual que se repetia invariavelmente ao fim da manhã, quando o Sol começava a abrasar. As motorizadas e bicicletas descansavam junto do passeio. Com uma das mãos a segurar com estilo – previamente estudado – um cigarro e a outra enfiada no bolso das calças azuis escuras de Terylene que, com a camisinha branca ou azul clarinho e sapato engraxado, fazia o trajo Domingueiro preferido das nossas mães (não era Santanita), ali estávamos, seguros da pose, à espera que o padre Zé, lá dentro, proferisse as palavras que há muito ansiávamos: Ide em Paz e o Senhor vos acompanhe.


Finalmente, as paixões, as nossas paixões – umas secretas e sublimadas, outras proibidas e algumas, poucas, correspondidas – começavam a sair da Igreja. Mais bonitas e castas do que nunca. Num gesto rápido e discreto deixavam cair o véu que lhes cobria os cabelos e que durante a missa lhes emprestava a aura de recolhimento que a ocasião e o lugar requeriam, mas que, cá fora, lhes roubava alguma sensualidade e algum esplendor. Levantavam os olhos em direcção àquela árvore (seria uma acácia?) e trocavam-se olhares cúmplices.

Os mais felizardos que já namoravam com autorização dirigiam-se, emproados e ufanos, em direcção às suas conquistas que, acompanhadas por amigas, deixavam, calculadamente, as mães adiantarem-se no caminho de regresso a casa para aprontarem o almoço melhorado de Domingo.

Era um quadro digno de uma tela romântica, mas algo insólita: o namorado de mão dada com... a motorizada ou a burra e a namorada de mão dada com... a amiga! Pôr o braço sobre o ombro ou mesmo dar a mão em público, era coisa só permitida quando o enlace fatal estivesse mais próximo e se mostrasse coisa irreversível.

E assim, sem pressa, adolescíamos. Crentes e seguros que aqueles anos jamais fariam anos.

O nosso herói, era bem mais pacato, procurava outras companhias e outras aventuras. Apesar de desbarbado e ainda imberbe, por razões que desconheço, porventura fortuitas, começou a acamaradar com um grupo de militares, chefiado pelo Alferes – comandante do Destacamento. Entrava no Quartel com o mais à vontade com que nós entrávamos na sala de jogos do Clube Ferrovia, nos dias em que o velhote Moreira estava de mau humor. Passeava de Unimog como se de um verdadeiro magala se tratasse e os magalas, esses, tomavam-no como um camarada de armas. Para onde iam, lá ia ele. Acompanhava-os para todos os lados.

Um belo dia, melhor, uma bela noite os nossos militares decidiram que deviam fazer daquela, a noite da iniciação do nosso herói – a Primeira Noite. A que jamais se esquece. A mais embaraçante de todas.

Por cima da roupa que a mãe lhe destinara para aquele dia, enfiaram-lhe um camuflado que excedia, como facilmente se imagina, em dois ou três palmos a estatura do nosso herói. Ficava-lhe enorme! Com duas ou três voltas arregaçaram-lhe as mangas e a bainha das calças, espetaram-lhe o boné em cima da cabeça e aí estava o nosso herói feito soldado (raso) e pronto a ganhar uns galões, perdendo, nessa noite, para sempre, a inocente virgindade. Subiu, pelo seu pé, para o Jeep, um Willys descapotável – igualzinho àquele com que o velhote Pessoa, um dia, subiu a antiga escadaria (que bonita que era!) do Clube da Vila – e sentou-se ao lado do Alferes.




Atrás do Jeep, seguia o Unimog com os restantes soldados. Lá foram todos em cumprimento do dever – patrulhar as redondezas da Vila. Coisa que faziam todas as noites ou quase. Só que aquela era especial. A missão era mais delicada. Levar o nosso herói, pela primeira vez, às putas!

Ao meio do caminho, nervoso, o nosso herói teve vontade de fazer chi-chi. Desceu do Jeep, um pouco envergonhado, meteu-se um ou dois metros dentro do capim e logo aí apercebeu-se das dificuldades que o esperavam: Desapertar os botões da braguilha do camuflado, desabotoar os das calças, e ainda as cuecas. Uff!

Tirou a dita para fora e logo constatou que com tanta roupa, a coisa mal chegava a espreitar o lindo céu estrelado que estava nessa noite. Indeciso, levou a mão à cabeça e coçou-a levemente, preocupado com a parca dimensão que a dita apresentava. Perguntou-se a si mesmo, serei capaz? Estremeceu. Sentiu alguns suores frios. Mas, depois, lembrou-se que aquilo, quando chegasse a hora, iria crescer ainda! Ficou mais descansado. Aliviado subiu de novo para o Jeep.

Quando chegaram ao quimbo aprazado, os tropas, já batidos neste tipo de missão, não tiveram dificuldades em arranjar uma mulher que se dispusesse a mostrar ao nosso herói que a vida é feita de diferentes prazeres.

– Vem “minino” entra! Não tem medo "minino"!
Medo. Medro era o que ele mais tinha. Baixava a cabeça e olhava para a zona nevrálgica na expectativa de ver o volume a aumentar, mas nada! Queda, a dita, mantinha-se inalterável!
– Áca minino! Entra! Insistia a “dama”.

Baixou a cabeça para poder entrar na portinhola da casa – uma cubata feita de pau-a-pique, coberta de capim – e, mais uma vez aproveitou, para espreitar a zona nevrálgica. Com satisfação constatou que a dita começava a compor-se. O ânimo começava a chegar-lhe. Atirou-se então à dama. Ou ao contrário, não sei. Certo é que se embrulharam os dois na esteira, feita de cana e que servia de cama a quem por ali vivia passava ou por ali passava. A luz muito amarela do candeeiro a petróleo e a manta que os cobria não lhe permitia entrever os traços da mulher que tinha por cima dele, nem, muito menos, os pormenores da humilde casa que o hospedava por breves momentos. Breves, mas inesquecíveis e incontáveis!

Quando tudo terminou, levantou-se, abotoou de novo a braguilha e deu-se, então, conta, espantado, que nem sequer tinha despido o camuflado! De imediato uma dúvida assaltou-lhe a mente para o resto da vida: Será que tinha conseguido? Será que tinha sido daquela vez? Ainda hoje, o nosso herói, não sabe responder a essa questão magna. A dúvida continua a persegui-lo. A atormentá-lo.

Meu caro, tranquiliza-te: a virgindade, às vezes, não se perde de uma só vez! Essa é a regra, mas há excepções que por vezes se esgueiram ...


Manuel Sampaio
Maio/Junho de 98, Lisboa